Dentro do seu quarto em Itaquera, Zona Leste de São Paulo, tem um cara que é pura força de vontade, apesar de viver entre a cama e a cadeira de rodas e precisar de suporte para todas as atividades. Wagner Silva de Souza, 37 anos, perdeu 80% dos movimentos dos braços e das pernas devido à artrite reumatoide juvenil. Ele, que já tinha a audição comprometida, também desenvolveu catarata, que o deixou cego. Mesmo com todas essas limitações, decidiu aprender braile no projeto Enxergando o Futuro, que ensina o sistema de escrita e leitura tátil de seis pontos por plataforma online e de graça.
Aos 11 anos, começaram os sintomas e, aos 14, surgiram dores pelo corpo de Wagner, marcando o início de uma jornada que desafiaria até mesmo os mais resilientes. O joelho, até então ágil, tornou-se fonte de tormento, mas mesmo assim ele seguiu estudando. Concluiu o ensino médio, aprendeu o ofício do pai, a marcenaria, e começou a trabalhar. Mas, por conta das limitações físicas e das fortes dores pelo corpo, tornou-se acamado. Foi quando passou a fazer caricaturas. “O desenho era uma forma de me manter ativo porque eu sentia dores 24 horas por dia, sem parar mesmo fazendo uso de morfina diariamente. Atualmente ainda uso, mas a quantidade menor”, conta.
Wagner passou por vários médicos, que fizeram diagnóstico errado. Um deles era que o problema era tendinite. “Isso me fez tomar remédios desnecessários, o que prejudicou o tratamento da artrite reumatoide juvenil, que só foi diagnosticada aos 21 anos”, ressalta. Foi só então, dez anos após o início dos sintomas, que começou o tratamento para conter a inflamação, que já tinha afetado completamente os movimentos das pernas e braços e causado a catarata que o deixara cego. A doença é inflamatória crônica e acomete as articulações e outros órgãos, como a pele, os olhos e o coração. “Não pude fazer a cirurgia de catarata assim que tivemos o diagnóstico porque, antes, era preciso conter a inflamação do corpo. Quando fiz a cirurgia nos olhos, já era tarde. A catarata já estava muito avançada. Não consegui voltar a enxergar de fato. Vejo apenas vultos, o que nem isso via antes da cirurgia”, acrescenta.
Acamado e sem enxergar, Wagner não mais conseguia desenhar. “Tentei usar o computador para me manter ocupado, mas também não conseguia. Os meus braços não se movimentavam o suficiente para usar o teclado e as pontas dos dedos doíam muito ao teclar. Foi quando comecei a usar a tecnologia assistiva no celular para manter a mente trabalhando e conectado com o mundo”, relata. Até porque, tinha muito medo de perder a audição também e não conseguir mais me comunicar”, ressalta.
Buscando alternativas, durante a pandemia, Wagner chegou ao portal da Deficiência Visual e lá conheceu o projeto Enxergando o Futuro, que nasceu em 2019, em Duartina (SP) e hoje atende alunos de todo Brasil e até do exterior. A possibilidade de aprender braile a distância e de graça era sua tábua de salvação. “Logo me interessei pelo braile. As aulas eu assistiria pelo celular, mas tinha receio se conseguiria fazer a parte prática. Por telefone, conversei com a Daniela (Daniela Reis Frontera, fundadora do Enxergando o Futuro) para saber como eram as celas pré-braile, que é o primeiro passo do aprendizado, e como poderíamos confeccioná-las. Isso porque só tenho movimento nas mãos e tinha que construir as celas com caixinhas de ovo e manuseá-las, fazer as combinações dos seis pontos. Tive todo apoio do projeto Enxergando o Futuro e do meu pai, que fez uma régua que permitiu uma adaptação do material didático. Assim, comecei a aprender braile”, relata.
Agora, já pronto para a segunda etapa do curso de braile, que é a escrita usando reglete, uma placa de metal que prende a folha de papel que é perfurada com uma espécie de caneta com ponta, Wagner já sabe que novamente precisará adaptar o material didático. “Não vou conseguir manusear a caneta e furar o papel. Vou precisar de uma adaptação. Mas eu e meu pai já temos uma solução”, conta, esperançoso. “Mas vou prosseguir. Quero aprender braile. Já tenho, inclusive, um livro em braile que ganhei de presente me esperando”, conta.
Wagner mora com os pais, que lhe dão todo suporte necessário, e conta com o atendimento de um profissional de enfermagem e de fisioterapia, ambos particulares. Enquanto não consegue a autonomia da leitura, se mantém conectado com o mundo graças à tecnologia assistiva, que o permite navegar pela Internet, e passa o tempo ouvindo audiolivros e todo tipo de conteúdo em áudio, principalmente de humor. “Estou fazendo fisioterapia e felizmente já consegui uma pequena melhora no movimento do quadril, na envergadura, o que ajuda a dobrar as costas e a me sentar. Meu sonho é retomar ao menos os movimentos básicos dos braços e pernas para ter autonomia de sair da cama e ir para a cadeira de rodas, aprender braile para estudar e voltar a desenhar com a ajuda de tecnologia assistiva. “Quem sabe consigo, inclusive, voltar a fazer projetos de mobiliário e de mobiliário que atenda às necessidades das pessoas com deficiência”, idealiza para o futuro.
Inscrições abertas para o curso de braile
O Enxergando o Futuro está com inscrições abertas para o curso de braile a distância e de graça. Após efetuar a matrícula, o aluno é adicionado a um grupo de WhatsApp com, no máximo, 20 participantes. As administradoras do grupo, que são voluntárias, recepcionam os alunos no aplicativo de mensagem. Ali, eles recebem todo o apoio e orientações para entrar na plataforma on-line do Enxergando o Futuro.
O curso é feito em três módulos. No módulo 1, os novos alunos recebem conteúdos de áudio e vídeo para aprender a produzir as celas pré-braile artesanalmente. As celas, que serão utilizadas durante todo o curso, são confeccionadas em espuma vinílica acetinada, tampas de garrafas ou caixinhas de ovos. Nesta etapa, o aluno pode precisar de um vidente (família ou amigo) para assistir aos vídeos que ensinam a fazer as celas pré-braile e, então, ajudar o novo aluno a fazer o material pedagógico.
Quando todos do grupo estão com o material pedagógico pronto (as celas pré-braile), as administradoras iniciam a liberação dos módulos para que os alunos aprendam a ler em braile. A cada módulo, aprendem as primeiras letras em braile, as primeiras sílabas, a formarem as primeiras palavras. A plataforma do Enxergando o Futuro, por ser uma tecnologia para acessibilidade, descreve em áudio o passo a passo para que os alunos executem as atividades.
À medida que vão finalizando as atividades, os alunos são orientados a postar em foto e vídeo o que fizeram no grupo para que os administradores do projeto façam as correções. Há, inclusive, o passo a passo de como fazer foto e vídeo para os alunos que eventualmente não estejam familiarizados com esses recursos.
Assim, conforme a alfabetização pelo método progride, inicia-se o módulo 2. Nesta etapa, os alunos vão ter contato com a prancheta, outro material pedagógico que consiste em reglete negativa (folha de um papel mais espesso que o sulfite) e a punção (espécie de pinça para furar o papel e, assim, escrever em braile).Primeiramente, os alunos vão colocar em prática o que aprenderam com o material pedagógico reciclável e ler as palavras escritas em braile na reglete. Esta é a etapa de desenvolver o tato.
A próxima etapa é começar a escrever em braile usando a reglete e a punção. Da mesma forma, os alunos seguem postando suas atividades na plataforma para correção das administradoras. Ao entrar num estágio mais avançado, os alunos vão para o módulo 3. Cada um recebe uma apostila em braile idealizada por Daniela Reis Frontera, fundadora do Enxergando o Futuro. Nesta etapa, as aulas são individuais e por vídeo por meio da plataforma Zoom para que cada um exercite o aprendizado nas modalidades leitura e escrita. Em média, os alunos levam dois anos para concluir o curso.
Serviço
Inscrição para o curso de braile pode ser feitas pelo WhatsApp (14) 99740-8217. Para saber mais, visite https://enxergandoofuturo.com.br/
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