Evely Tamara Dias Lacerda Medeiros* e Lucas Anjos**
A coleta de dados pessoais de geolocalização para fins de prova no processo trabalhista retornou em pauta no recente julgamento no Tribunal Superior do Trabalho (TST), que decidiu, por maioria, autorizar o uso da geolocalização como prova de jornada de trabalho de um bancário. A decisão foi proferida em meio ao debate sobre a proporcionalidade da prova e o risco de violação do direito à privacidade. Assim, suscitou importantes reflexões sobre a aplicação de tecnologias no direito trabalhista e os limites da privacidade no ambiente de trabalho e da produção de prova no processo trabalhista.
No caso em tela, o bancário que ocupava cargo de gerência, portanto, não sujeito ao controle de jornada, requereu o pagamento de horas extras informando ao juízo a seleção de dias e horários em que estaria prestando os serviços. O juízo de primeiro grau, a pedido do empregador, deferiu a produção de provas de geolocalização nos horários indicados pelo bancário para comprovar se ele estava nas dependências da empresa.
Contra a decisão, o bancário impetrou mandado de segurança no TRT da 4 região alegando violação do seu direito à privacidade, já que não houve ressalva de horários, finais de semana e feriados e que, além disso, o banco teria outros meios de provar a sua jornada sem constranger sua intimidade.
Ao chegar pela via recursal ao TST, os ministros se depararam com a clássica situação de conflito entre princípios constitucionalmente consagrados, pois de um lado se encontrava a necessidade e proporcionalidade da prova de geolocalização e de outro lado, a violação da intimidade e privacidade.
Segundo o filósofo do direito Ronald Dworkin, no contexto da aplicação das normas jurídicas, diferente das regras que são aplicadas no modo do “tudo-ou-nada”, havendo conflito entre princípios o juiz deve considerar o contexto e valores subjacentes a cada princípio, buscando uma solução que melhor respeite os direitos e integridade das partes.
Fazendo então este sopesamento baseado naquela situação específica, o Relator do recurso Amaury Rodrigues considerou a geolocalização do aparelho celular adequada como prova, pois permite saber onde o trabalhador estava durante a alegada jornada de trabalho por meio do monitoramento de antenas de rádio-base, julgando a medida proporcional e feita com o menor sacrifício possível ao direito à intimidade.
A corrente vencida, entretanto, sustentou que a prova de geolocalização deve ser subsidiária, e não principal, sendo que no caso ela foi admitida como primeira prova processual, apesar de haver outros meios menos invasivos de provar as alegações do empregado.
A decisão do TST, portanto, representa um marco no uso de provas digitais no direito trabalhista, inclusive a Justiça do Trabalho empreende esforços na capacitação de juízes no uso de tecnologias e utiliza um sistema (Veritas) de tratamento de relatórios de informações quanto à geolocalização, em que dados podem ser usados como prova digital para provar, por exemplo, vínculo de trabalho.
Aliado a este avanço no cenário de provas digitais, o embate entre princípios constitucionais e processuais estarão cada vez mais presentes, na medida em que os juízes serão constantemente instados a decidir a partir do sopesamento entre a dimensão e importância dos princípios e, considerando o contexto fático, determinar em qual medida um princípio prevalece e qual deverá ser sacrificado.
*Evely Tamara Dias Lacerda Medeiros é advogada do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Associados Advogados Associados pós-graduada em Direito Previdenciário e pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Legale.
**Lucas Anjos é advogado no escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados, atuante na área de privacidade e proteção de dados pessoais.
Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
MURILO DO CARMO JANELLI
murilo@libris.com.br