Os municípios mineradores sofrerão uma catástrofe premeditada em suas finanças caso a reforma tributária (PEC 45/2019) seja levada adiante da maneira que está. “É um absurdo como um assunto tão imprescindível para todas as esferas está sendo levado de uma forma truculenta, sem ouvir as cidades mineradoras que contribuem com 4% do PIB brasileiro, 10% da balança de importação e que serão, literalmente, prejudicadas pelo texto proposto”, afirma Waldir Salvador, consultor de Relações Institucionais e Econômica da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG).
A entidade tem buscado, sem sucesso, uma agenda com o governo federal desde o início do mandato do atual presidente para apresentar os principais entraves vividos pelos territórios minerados. A associação, fundada em 20 de abril de 1989, conta hoje com 56 cidades filiadas de 8 estados da federação, representando 80% da produção mineral do país.
“A AMIG tem realizado uma série de estudos para comprovar os prejuízos que a reforma tributária trará para as cidades mineradoras. Uma análise feita pelo departamento tributário da associação prevê um cenário sombrio quanto à arrecadação destas cidades, mediante a reforma, com prejuízos bilionários, já que são municípios de pequeno porte, em relação à população e apenas os municípios de grande porte populacional receberão a maior distribuição de recursos de tributos”, avalia Roseane Seabra, consultora Tributária da AMIG.
Roseane explica que o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é o principal tributo de competência estadual que é dividido para as cidades de acordo com o Índice de Participação dos Municípios (IPM). Do total arrecadado pelo estado, 25% do imposto retorna aos municípios de acordo com seu índice de participação, apurado pela Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) com base nos critérios definidos pela Constituição Federal e Legislação Estadual.
A PEC 45/2019 substitui cinco tributos considerados “disfuncionais” pelo governo federal (ISS, ICMS, PIS, COFINS e IPI) por um IVA dual (Imposto sobre Valor Agregado), formado pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no âmbito dos estados e municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS), na esfera da União. Com isso, os critérios mudam. Os municípios deixam de receber o VAF e o IPM passa a ser calculado referente à população (80%), igualitário (5%), educação (10%) e meio ambiente (5%).
Para Waldir Salvador, se não houver mudanças no tratamento que está sendo dado aos municípios mineradores, por parte do governo federal, que contribuem tanto para que o país se desenvolva, não restará alternativa a não ser buscar, firmemente, uma forma de onerar a mineração através de outras cobranças municipais. “Infelizmente, diante do que traz o texto da Reforma Tributária, essas cidades terão que adotar todos os obstáculos possíveis para que a parte privada da mineração não tenha êxito na atividade, já que a parte pública está sendo atropelada e deixada de lado nos principais debates. Estamos perdendo em ISS, ICMS e ainda teremos queda no recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), já que o imposto seletivo pode ser abatido no royalty”, enfatiza.
O consultor da AMIG acrescenta que se colocar na balança o que os municípios mineradores terão de retorno e os inúmeros impactos produzidos pela atividade, não será estimulante a continuidade da mineração em seus territórios. “Os municípios terão que avaliar muito profundamente até que ponto vale a pena. As compensações são pequenas, tanto no aspecto ambiental, quanto no tratamento das empresas com os territórios e na tributação brasileira, que é muito menor que em outros países. Ficou absolutamente desestimulante para os municípios conviver com uma atividade que traz tanto impacto sem nenhuma contrapartida, pelo menos como ela é no momento atual”, ressalta.
Falácias do setor privado – O consultor da AMIG afirma que as reclamações das empresas privadas sobre a alta taxação do setor mineral são infundadas. “Quando as mineradoras afirmam pagar muito imposto, provavelmente estão se referindo aos impostos que incidem na cadeia, mas não dizem que, na verdade, esses impostos são devolvidos a elas. Eles viram um crédito para pagamento dos outros tributos”, pontua.
Pegando como exemplo os dados da Vale, publicados no último balanço anual da empresa, em 2022, ela teve um faturamento de mais de R$200 bilhões e um lucro líquido de R$101 bilhões. Desse valor de lucro líquido, a empresa foi tributada no Imposto de Renda e na contribuição social em R$15 bilhões, ou seja, uma alíquota efetiva de aproximadamente 15%. No ano de 2021, a fração era 16%. “A alíquota nominal das pessoas jurídicas, de forma geral, é 34%, que significa 25% de imposto de renda somado a 9% de contribuição social. Esta porcentagem está determinada e prevista na lei, mas essas empresas acabam tendo muitas exclusões fiscais do lucro líquido de tal forma que o valor do tributo a pagar acaba sendo muito menor do que a alíquota nominal de 34%, prevista na lei”, explica o presidente do Instituto de Justiça Fiscal, Dão Real.
Em 2023 a AMIG contratou o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – Cedeplar, ligado à Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, para elaborar um estudo de avaliação da atual estrutura tributária da mineração no Brasil. A pesquisa teve como objetivo analisar os impactos da PEC da reforma nas atividades mineradoras, além de identificar e descrever as estruturas tributárias de países com significativas atividades mineradoras.
O estudo mostra que a mineração brasileira é uma das menos oneradas do planeta, inclusive comparativamente a países mineradores como a Austrália, Canadá, Estados Unidos e China. Na reforma tributária está mantida a estrutura tributária das atividades exportadoras (LC 87/1996 – Lei Kandir), não existindo nenhuma discussão a respeito de tributos sobre atividades econômicas não renováveis e com marcantes efeitos negativos sobre o meio ambiente. Embora o Brasil seja o 2º maior exportador de minério de ferro do mundo, ocupamos a 9ª posição entre os países produtores de aço.
“Ou seja, deixamos de incentivar e fomentar a verticalização e a diversificação da indústria siderúrgica nacional, diminuímos a pujança dos estados-membros da Federação, que perdem triplamente ao não arrecadar o ICMS decorrente da exportação e ao não ter a compensação devida pela União”, observa Dão Real.
O presidente do Instituto de Justiça Fiscal salienta que o setor mineral brasileiro é voltado predominantemente para a exportação, com isso ele é controlado por empresas transnacionais, como a Vale, que é brasileira, mas tem subsidiárias no mundo todo. “Como as operações acabam se dando por dentro dessas companhias, os preços declarados acabam sendo, sempre, preços manipulados do ponto de vista fiscal e financeiro, ou seja, eu estabeleço um preço para que o meu custo tributário seja o menor possível. E como é que eu faço isso? Utilizando as subsidiárias localizadas em paraísos fiscais”, enfatiza. Se uma empresa tem uma subsidiária na Suíça, por exemplo, que atua no meio do caminho entre o vendedor do produto mineral e o comprador final, essa subsidiária passa a participar da cadeia comercial de tal forma que a maior parte do lucro da atividade acaba ficando nestes países.
“Não é só o tributo que se perde com esse tipo de triangulação, se perde inclusive na arrecadação da CFEM, porque o royalty é calculado sobre o valor declarado. Se perde também parte do PIB, afinal esse lucro foi para outro local e vira ativo financeiro, na maior parte das vezes”, frisa Dão Real.
Para Waldir Salvador, está nítido que a reforma tributária, caso seja aprovada como está, inviabilizará a gestão dos municípios mineradores, criando-se verdadeiro caos econômico e social, com reflexos muito ruins para o próprio segmento da mineração, que terá aumentada da pressão local e, até mesmo, questionada a conveniência de ter seu território explorado.
Ele ressalta que desconsiderar a pujança econômica, materializada atualmente no VAF, será um dos maiores equívocos da PEC. “Há mais de três décadas a AMIG segue resistindo, com transparência, respeito e equilíbrio, para alcançar crescimento sustentável e ético na mineração brasileira. Não podemos punir os municípios que vem “fazendo o dever de casa”, criando ambiente para o desenvolvimento econômico local, especialmente aqueles que se valem da utilização da riqueza geológica dos nossos territórios, que junto com esses benefícios trazem, também, desafios extras para a cidade, principalmente no que diz respeito às políticas públicas nas áreas da saúde, educação, saneamento, segurança pública, infraestrutura, habitação, dentre outras”, alerta o consultor da AMIG.