*André Vasconcellos
Se o mercado de capitais fosse um grande espetáculo teatral, poderíamos dizer que a temporada de balanços é o momento da esperada estreia. É quando o resultado de todo o esforço é demonstrado ao público. Trazendo o tema à realidade: a temporada de balanços contábeis é a ocasião crucial para as companhias abertas brasileiras e seus profissionais de relações com investidores.
É durante esse período que as empresas divulgam seus resultados financeiros, oferecendo insights valiosos sobre seu desempenho e saúde financeira. No entanto, essa temporada também traz consigo uma série de desafios e tendências que impactam diretamente o mercado de capitais brasileiro.
O preparo das Demonstrações Financeiras Anuais é uma responsabilidade crítica, pois esses documentos devem fornecer uma visão transparente e precisa da saúde financeira de uma empresa, tornando-se um importante instrumento de consolidação de marca e reputação das companhias abertas brasileiras. Uma espécie de chancela ao mercado.
A conformidade com padrões contábeis é um requisito. Eles foram estabelecidos pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e, pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para as companhias abertas. Os principais padrões contábeis adotados no Brasil são: Normas Brasileiras de Contabilidade (NBC), emitidas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), e estabelecem princípios, regras e procedimentos a serem seguidos pelos contadores brasileiros em sua prática profissional; e Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS), emitidas pela International Accounting Standards Board (IASB).
As demonstrações financeiras devem ser transparentes e fáceis de entender para os investidores e organizadas de forma lógica e estruturada, seguindo uma sequência que permita aos investidores entender facilmente a situação financeira da empresa. Os métodos contábeis utilizados para preparar as demonstrações financeiras precisam ser consistentes ao longo do tempo e comparáveis entre empresas do mesmo setor. Isso facilita a comparação e análise das informações.
As informações apresentadas devem ser relevantes para os usuários e materialmente importantes para a tomada de decisões. Aspectos importantes que impactam a companhia, de forma direta ou indireta, no curto, no médio ou no longo prazo, devem ser destacados e priorizados.
Uma das formas de mitigar riscos quanto à precisão e integridade dos dados divulgados é realizar uma verificação rigorosa de todas as transações e registros contábeis, garantindo a precisão dos dados apresentados nas demonstrações financeiras.
Forneça todas as informações necessárias e relevantes nas demonstrações financeiras, incluindo notas explicativas, para que os investidores possam entender completamente a situação financeira da empresa. Além disso, é fundamental zelar pela comparabilidade. As demonstrações financeiras devem permitir a comparação entre períodos contábeis diferentes e entre empresas do mesmo setor. Isso envolve o uso consistente de métodos contábeis e a apresentação clara de dados comparativos.
Identifique e divulgue claramente os principais riscos financeiros enfrentados pela empresa, incluindo riscos relacionados ao mercado, crédito, liquidez, regulatório, entre outros. A jornada de elaboração das peças financeiras e apresentações ao mercado, sem dúvida, prepara os profissionais de RI para explicar as demonstrações financeiras e responder a quaisquer perguntas dos investidores nas teleconferências, roadshows ou reuniões presenciais para discutir os resultados financeiros. Voltando à comparação com o grande espetáculo teatral, o profissional de RI está entre os principais atores da peça, responsável pelo desfecho que todos esperam.
Além das demonstrações financeiras básicas, forneça análises adicionais sobre tendências de desempenho e KPIs relevantes que possam ajudar os investidores a avaliar o progresso e a saúde geral da empresa. A análise de indicadores não só financeiros contribui para a gestão de expectativas dos acionistas e dos potenciais investidores de forma realista e transparente.
Desafios da Temporada de Balanços Contábeis
O mercado já se deu conta da importância do trabalho dos RIs em qualquer momento pelo qual passa da companhia. O profissional tem que estar sempre preparado para falar sobre a empresa ao mercado, seja lá qual for a pauta. Pablo Cesário, presidente-executivo da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), vê uma crescente evolução na atuação dos profissionais de RI das companhias abertas, sobretudo pela qualidade da formação técnica e demanda de cursos voltados para quem atua na área, o que representa um avanço.
Um dos principais desafios enfrentados pelas empresas – e profissionais de RI – durante a temporada de balanços contábeis é garantir a precisão e a transparência das informações financeiras divulgadas. A pressão por apresentar resultados favoráveis muitas vezes pode levar a práticas contábeis questionáveis ou até mesmo fraudulentas. Nesse sentido, a manutenção de controles internos robustos e a independência dos auditores externos desempenham um papel fundamental na mitigação desse risco.
Além disso, a complexidade crescente das operações empresariais e das normas contábeis também representa um desafio significativo. À medida que as empresas expandem suas operações globalmente e enfrentam mudanças regulatórias, é crucial que seus profissionais de contabilidade estejam atualizados e preparados para lidar com essas complexidades.
Na última semana (07/03), a CVM divulgou o Ofício Circular Anual 2024, com orientações a companhias reguladas pela autarquia, incluindo procedimentos a serem observados no envio de informações periódicas e eventuais. O principal objetivo do documento, divulgado anualmente, é minimizar eventuais desvios e, consequentemente, reduzir a necessidade de formulação de exigências e aplicação de multas cominatórias e de penalidades, contemplando mudanças importantes envolvendo aspectos ASG, tendo em vista a edição da Resolução CVM 193.
O Ofício Circular traz, ainda, mudanças que refletem normativos editados pelo regulador tanto no último ano, como, por exemplo, informações atualizadas sobre emissores de certificados de depósito de valores mobiliários (BDR), quanto em 2024, como a aprovação do Pronunciamento Técnico CPC nº 09 (R1) pela Resolução CVM 199, que tem por objetivo estabelecer critérios para elaboração e divulgação da Demonstração do Valor Adicionado (DVA).
Outro normativo abordado no documento é a Resolução CVM 198, aprovada pelo Colegiado em 31/1/2024 e que altera pontualmente a Resolução CVM 80 para incluir, no Formulário de Referência das companhias abertas, campo específico para divulgação de informações sobre o contingente de pessoas com deficiência (PcD). Essa inclusão entra em vigor a partir de 02/01/2025, mas a SEP estimula o envio facultativo dessas informações já a partir de 2024.
Tendências no Mercado de Capitais Brasileiro
Apesar dos desafios, a temporada de balanços contábeis também traz consigo algumas tendências importantes no mercado de capitais brasileiro. Uma dessas tendências é o aumento da demanda por informações não-financeiras, como dados de sustentabilidade e governança corporativa. Os investidores estão cada vez mais preocupados com o impacto social e ambiental das empresas, e esperam que esses aspectos sejam devidamente refletidos nas demonstrações financeiras.
Cito aqui o pensamento de Vania Borgerth, vice-coordenadora de Relações Internacionais do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), ao mencionar o trabalho das equipes de RI. “Apenas os resultados econômico-financeiros já não são mais suficientes para medir os riscos das empresas. Para ela, a informação sobre ESG é importante para um stakeholder tomar decisões. Porém, para mensurá-la como valor tangível, é fundamental que seja auditável. “Daí o significado das normas IFRS S1 e IFRS S2, emitidas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB). Estamos assistindo ao advento de uma nova era de divulgações relacionadas à sustentabilidade nos mercados de capitais em todo o mundo”, detalha Vania.
A adoção das normas internacionais de contabilidade (IFRS) pelas empresas brasileiras tem impulsionado a convergência das práticas contábeis locais com os padrões internacionais. Isso não só aumenta a comparabilidade das demonstrações financeiras, mas também melhora a reputação do mercado de capitais brasileiro no cenário global.
Outra tendência importante é o crescente uso de tecnologias como inteligência artificial e análise de dados na elaboração e análise das demonstrações financeiras. Essas tecnologias permitem uma análise mais detalhada e preditiva dos dados financeiros, ajudando as empresas a identificar tendências e oportunidades de forma mais eficaz.
Avanços legislativos que modernizam o mercado
A Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) comunga com a importância dos profissionais de RI: “Vejo que há uma crescente evolução na atuação dos profissionais de RI das companhias abertas, sobretudo pela qualidade da formação técnica e demanda de cursos voltados para quem atua na área, o que representa um avanço”, Pablo Cesário, presidente-executivo da entidade de mercado.
A associação reforça seus compromissos também com a modernização legislativa que impacta o mercado de capitais brasileiro. Em 2023, informa que manteve importantes reuniões e audiências com parlamentares na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, assim como fortaleceu sua atuação junto ao Ministério da Fazenda, Comissão de Valores Mobiliários e demais órgãos públicos correlatos a sua área de atuação.
Cesário finaliza “no Congresso, contribuímos com a visão do setor produtivo em temas relevantes para viabilizar mais investimentos no Brasil. Em resumo, conseguimos demonstrar tecnicamente a relevância dos temas, visando barrar equívocos na legislação que tramitava no âmbito das casas legislativas. Neste ano, continuaremos focados na defesa das nossas empresas, com atenção especial às reformas do consumo e da renda, aspectos que entendemos como primordiais para avançarmos nas pautas que julgamos prioritárias e que nortearão os rumos econômicos do país”.
Inspire-se em boas práticas
A temporada de balanços contábeis apresenta uma série de desafios e tendências importantes para as companhias abertas brasileiras e seus profissionais de relações com investidores. É crucial que as empresas enfrentem esses desafios com integridade, transparência e rigor técnico, garantindo a confiabilidade e a relevância das informações financeiras divulgadas. Ao mesmo tempo, é importante que estejam atentas às tendências emergentes e adotem práticas inovadoras para atender às demandas cada vez mais complexas do mercado de capitais brasileiro.
Com o objetivo de incentivar o aprimoramento da elaboração de relatórios com maior clareza, transparência, qualidade e quantidade de informações e caráter inovador, tanto na apresentação expositiva quanto no projeto gráfico, o Prêmio “ABRASCA – Relatório Anual” completa 25 anos.
Quer se inspirar nas companhias compromissadas com a transparência, a excelência e a inovação? Acesse o site de RI e leia os relatórios finalistas em 2023, modelos de boas práticas e orientados na busca pela excelência: Arezzo&Co; Azul Linhas Aéreas S.A.; Raia Drogasil S.A.; Randon Implementos e Participações S.A.; Rede D´Or São Luiz; Algar Telecom S.A.; Enauta Energia S.A.; JHSF; Log Commercial Properties e Participações S.A.; Mitre Realty Empreendimentos e Participações S.A.; Aliansce Sonae + brMalls; Banco Agibank S.A.; Caixa Econômica Federal; Companhia do Metropolitano de São Paulo; e Cooperativa de Crédito Credicitrus.
*André Luiz Carneiro de Vasconcellos é vice-presidente do Conselho de Administração do IBRI, membro do Conselho Editorial da Revista RI e colunista do Faria Lima Journal