O Itinerário dos Bondes é o sexto livro de Moacyr Godoy Moreira, lançado pela Editora Calêndula no final de março último, numa noite de muitos encontros literários entre os muitos amigos escritores que foram prestigiar o autor que é um aglutinador de talentos e um grande propositor de diálogos literários.
Tenho o privilégio de conhecer o Moacyr Godoy Moreira desde as primeiras incursões literárias, ainda nos rascunhos de uma carteira escolar. E não o digo para me gabar, mas para constatar, com conhecimento de causa, por saber da íntegra de sua produção artística, que talvez seja o autor brasileiro vivo a mais proficuamente estabelecer vínculos com seus contemporâneos, seja nas temáticas abordadas, nas manobras dos estilos narrativos que ele perscruta com zelo ou no intencional e declarado diálogo que estabelece em suas obras.
O Itinerário dos Bondes amplifica sua carreira literária com uma seleta coleção de contos que passeiam pelo largo universo do prosador que é escritor, crítico literário, mestre em literatura, professor de inglês, médico, gestor na área de saúde e trabalho, perito judicial, musicista, homem cosmopolita de cultura exuberante, sempre empregada como referência para a composição de suas tramas com a naturalidade de quem a detém intimamente e não para exibi-la à guisa de vaidade ou afetação. Eis o múltiplo repertório de sua imaginação: seu ecletismo intelectual.
Assim, os universos destramente visitados em ficção parecem habitados por Moacyr Godoy Moreira em realidade cotidiana e, como artifício bastante bem escamoteado, transporta e envolve o leitor no aconchego de suas esmeradas narrativas. Hospeda-os, generosa e confortavelmente, em improváveis mundos imaginários, onde tudo é natural e muito verossímil. São envolventes cenários sinestésicos, inventivos sincretismos científicos-religiosos, espelhamentos poéticos postos em prosa, mosaicos de gêneros mesclados para conter violências em vias de explodirem, ironias para com as institucionalizações moldadas por fórmulas de sucesso, cutucadas venenosas nas estratégias enganadas e enganosas de igrejas católicas e evangélicas…
A edição é primorosa, cada conto conta com uma ilustração feita sob inspiração da leitura pelo artista plástico paulistano, Enio Squeff que também assina as imagens das capas. O prefácio é assinado pela multipremiada escritora Maria Fernanda Elias Maglio que adianta que “O itinerário dos bondes é um livro que conduz. A sensação é de estarmos mesmo em um veículo em movimento em que é possível assistir da janela a vida acontecendo. Um trem que, ainda que nunca pare, transita em velocidade devagar o suficiente para vermos de forma nítida o contorno dos personagens, suas existências no desenrolar do tempo.”
Em suma, o livro é mesmo O Itinerário dos Bondes, em toda parte, em parte alguma, onde o leitor pode deter-se para observar e deleitar-se com a miríade de histórias diversificadas que circundam tais assentos e que, assim, os intimam a vesti-los e também a si próprios: observadores dos vazios que só a boa literatura parece capaz de preencher.