Eduardo Maurício*
É crescente a onda de xenofobia contra brasileiros em Portugal. No caso mais recente, a jornalista carioca Grazielle Tavares levou um soco na boca de um português dentro da Universidade do Minho, em Braga, na região norte de Portugal. O agressor é um estudante português do curso de pós-graduação em comunicação. A brasileira relatou que, além de violento, ele teria sido xenófobo e misógino. O motivo que desencadeou a violência foi um desentendimento por um atraso para um trabalho de grupo que reunia o agressor, um aluno estrangeiro, Grazielle e outra brasileira.
Segundo a jornalista, após uma ameaça, “ele começou a me xingar. Eu levantei e pedi para ele repetir se fosse homem. Nem terminei a frase e ele me deu um soco no lado direito do rosto, ferindo minha boca. Caí no chão e ele me chutou, diante do corredor cheio de gente e ninguém fez nada. E ele ainda disse: “O que você faz estudando no meu país? Deve pagar a mensalidade com o c.”, como se eu fosse prostituta. E falou para eu voltar para o Brasil”.
Importante destacar que as denúncias de xenofobia contra imigrantes do Brasil cresceram 505% em anos recentes, segundo balanço da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial portuguesa. E, de acordo com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, divulgados em 20 de setembro deste ano, indicam que os brasileiros são quase 400 mil num país de cerca de 10,4 milhões de habitantes, sem contar os que estão sem documentos e têm dupla cidadania.
A palavra xenofobia tem origem grega e significa aversão ou rejeição a pessoas ou coisas estrangeiras ou temor ou antipatia pelo que é incomum ou estranho ao seu ambiente. É trata-se de um crime.
Vale frisar que como o crime cometido contra a brasileira ocorreu em Portugal, o processo corre conforme a legislação do país europeu. Nesse caso, a brasileira deve realizar a denúncia perante a Justiça portuguesa. O Código Penal Português prevê, em seu artigo 240, a punição com pena de prisão de seis meses a 8 anos, relativamente aos crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, com índices nos anos passados baixos quanto a condenação penal por esses delitos em Portugal.
Posteriormente, com a promulgação da Lei 93/2017, que estabelece o regime jurídico da prevenção, da proibição e do combate à discriminação, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem, nota-se que as denúncias aumentaram. Contudo, isso ainda não se refletiu em aumento do índice de condenação dos agentes desse tipo de fato típico. Além disso, é certo que, no próprio procedimento judicial, ela poderá realizar o pedido de indenização cível, nos termos da Lei Penal portuguesa.
Importante ressaltar que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proíbe a discriminação, obrigando os estados-membros a combaterem “crimes motivados pelo racismo, pela xenofobia, intolerância religiosa, ou por deficiência, orientação sexual ou identidade de gênero”.
Adentrando ao crime de ofensa à integridade física, previsto no Código Penal português (com semelhança ao crime de lesão corporal no código penal brasileiro), importante saber o seguinte:
No entender dos tribunais portugueses, a agressão física que não causa lesões à vítima (uma bofetada, um empurrão) é um crime de ofensa à integridade física simples. Sendo um crime dependente de queixa, só dará origem a um processo caso a vítima o deseje e a sanção penal é de prisão até 3 anos com pena de multa. Vale ressaltar a possibilidade de dispensa da pena quando as lesões são reciprocas e senão tiver prova de quem agrediu primeiro, ou se tiver exercido retorsão sobre o agressor, nos termos do artigo 143 do Código Penal.
Agora, se a ofensa provocar perigo de vida; ou doença física ou mental de forma grave ou permanente; ou afetar a capacidade de trabalho, intelectual, de procriação, privação de órgão ou membro importante; ou qualquer outra incapacidade grave e permanente do corpo, ficará configurada uma ofensa à integridade física grave, cuja perseguição não depende da apresentação de queixa e que é punível de modo mais severo, com prisão de 2 a 10 anos.
A jornalista que sofreu a agressão e xenofobia disse que prestou queixa e irá processar o agressor. Importante se atentar que caso a Justiça Portuguesa não dê prosseguimento criminalmente ao fato, pode ser movimentado e instaurado o procedimento via Ministério da Justiça no Brasil, para apurar e punir quem praticou fato típico.
Conclui-se, pois, em tempos modernos, o repúdio a este tipo de conduta e a necessidade de alargamento da moldura penal para esses delitos. É necessário que os criminosos, independente da nacionalidade, etnia, raça, idade ou cor, saibam que se praticarem a xenofobia, serão condenados e punidos com uma pena que não seja cumprida de forma “branda”, podendo culminar em prisão.
*Eduardo Maurício é advogado no Brasil, em Portugal e na Hungria. Doutorando em Direito – Estado de Derecho y Governanza Global (Justiça, sistema pena y criminologia), pela Universidad D Salamanca – Espanha. Mestre em direito – ciências jurídico criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela Católica – Faculdade de Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas. Pós-graduado em Direito penal econômico europeu, em Direito das Contraordenações e em Direito Penal e Compliance pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia. Pós-graduando pela EBRADI em Direito Penal e Processo Penal. Pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil –em formação para intermediários de futebol. Mentor em Habeas Corpus. Presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim). Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP) – International Association Penal Law. Membro da Associação Internacional de Direito Penal de Portugal (AIDP – PT) – International Association Penal Law – PT. Intermediário oficial da Federação Portuguesa de Futebol (FPF)
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