Para a surpresa de ninguém, Nayib Bukele foi reeleito presidente de El Salvador. Com uma vitória que superou mais de 80% dos votos, Bukele consolidou o seu projeto de poder absolutista. Ultimamente, a política salvadorenha tem sido colocada no centro do debate sobre os rumos da democracia no país e na América Latina. Isso levanta a seguinte pergunta: por que um país com dimensões comparáveis às de Sergipe e no meio da América Central teria tamanha influência continental?
A primeira resposta está no aparente sucesso estatístico nas ações de enfrentamento de gangues que dominavam El Salvador. O país possuía um alto índice de violência, onde um dos resultados principais era a migração ilegal em massa para os Estados Unidos. A política linha-dura contra o crime fez com que os índices de violência desabassem e o que predomina é uma percepção de aparente normalidade no cotidiano da população salvadorenha. Essas ações não são imunes as críticas, especialmente por gerarem outro tipo de violência, aquela perpetrada pelo próprio Estado.
O plano de ação ao combate ao crime e a violência em El Salvador suprimiu direitos fundamentais que caracterizam o Estado democrático e de Direito em qualquer conceituação aceitável de democracia. Isso resultou na prisão de indivíduos meramente suspeitos de integrar alguma gangue, não garantindo a eles o devido processo legal de defesa e resultando em um encarceramento em massa no país, com 2% da população total salvadorenha atrás das grades.
A segunda parte da resposta são os meios políticos utilizados. Para aprovar seu pacote de combate ao crime, Bukele utilizou as redes sociais para pressionar os ministros da Suprema Corte, seus próprios ministros e os congressistas. Nesse último grupo, no dia da votação das medidas pelo congresso salvadorenho, o presidente se utilizou as forças policiais, devidamente instaladas na entrada do parlamento, para intimidar e pressionar os congressistas a votar a favor do pacote. A cena mais emblemática, todavia, foi de Bukele se sentar à cadeira do presidente do congresso e coordenar a votação, como se fosse um monarca absolutista. Esse conjunto de ações de combate ao crime e o modus operandi de fazer política pelas redes sociais criaram o conceito de “bukelização”.
É preocupante os rumos da política na América Latina, sob risco da proliferação da “bukelização”. Eleições realizadas na Colômbia, Equador e Argentina já apresentaram candidaturas dispostas a seguir o modelo salvadorenho e a tendência é o aumento de candidaturas com este perfil nos próximos pleitos eleitorais latino-americanos. A ampliação da “bukelização” da política latino-americana se alimenta de uma região que apresentou, na última década, expressivos aumentos nos índices de desigualdade e da informalidade, além de um baixo índice de crescimento econômico, resultando no aumento dos já elevados índices de violência. Acrescenta-se, por fim, a constatação feita pela pesquisa do Latinobarômetro onde a maioria dos latino-americanos, 54% dos entrevistados, seria a favor de governos não democráticos, na esperança de que estes resolvam os principais problemas que assolam os seus países. Esse índice se agrava, quando se constata que 20% dos jovens entre 16 e 25 anos desejam governos “mãos-de-ferro”.
Em suma, o desempenho recente da América Latina tem gerado uma considerável parcela de jovens sem valores democráticos e encantados com lideranças autocráticas de rede social, onde a “bukelização” é a expressão jovial desse desencanto.
*Guilherme Frizzera é Doutor em Relações Internacionais pela UnB e coordenador de bacharelado em Relações Internacionais do Centro Universitário Internacional UNINTER