Por Reinaldo Nagao
Assombrando o sistema tributário brasileiro há anos, o termo ‘Guerra Fiscal’ refere-se à competição entre diferentes entidades territoriais, como estados e municípios, através da oferta de incentivos fiscais ou benefícios tributários para atrair investimentos privados, como novas fábricas, centros de distribuição, empresas de tecnologia, entre outros exemplos. Essa competição tem como resultado um verdadeiro enxame de isenções, sabotando, sobretudo, o princípio de isonomia fiscal defendido e almejado pelo interesse público.
Como consequência, a ‘Guerra Fiscal’ cria o que chamamos de “race to the bottom”, uma “corrida ao fundo”, onde as entidades oferecem o máximo possível de incentivos fiscais, prejudicando a capacidade dos governos de arrecadar receitas tributárias necessárias para investir em serviços públicos essenciais. Levando, portanto, a um desequilíbrio regional, com áreas ricas oferecendo melhores condições de vida do que áreas fragilizadas economicamente. A disparidade também é sentida na esfera corporativa, já que empresas de pequeno e médio porte não possuem o mesmo poder de negociação para vantagens fiscais em comparação com grandes organizações.
O porquê de a ‘Guerra Fiscal’ ser um conflito econômico
As raízes da ‘Guerra Fiscal’ estão entrelaçadas com a complexidade e as lacunas existentes na esfera tributária brasileira, caracterizada pela elevada carga de impostos. Em adição, pensando que o Brasil é um país com múltiplas camadas de governo com autonomia para instituir e gerir seus tributos, cria-se um terreno fértil para que as disputas sejam perpetuadas, impactando desde o desenvolvimento econômico até a geração de empregos.
Sendo um sintoma e um resultado direto dos desafios tributários nacionais, atualmente, a ‘Guerra Fiscal’ tem se concentrado em torno do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), de caráter estadual, onde a competição é sobre a redução do imposto ICMS ou créditos fiscais para instalação de empresas.
As consequências negativas que a ‘Guerra Fiscal’ oportuniza têm trazido debates importantes no meio público, buscando a estabilidade e harmonização de legislações tributárias, a fim de reduzir as disputas fiscais predatórias entre os estados. Nessa pauta, o STF desempenha um papel fundamental para mediar os conflitos que pedem por uma distribuição equitativa de recursos, a barreira mais intrínseca da ‘Guerra Fiscal’.
Há esforços no sentido de se estabelecer um sistema mais cooperativo e menos conflituoso entre os entes federativos, por meio de acordos que necessitam da aprovação do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), o qual reúne representantes de todos os estados e do Distrito Federal, visando a promoção de uma política fiscal mais equilibrada e menos litigiosa.
Reforma Tributária: um caminho para a paz fiscal?
A Reforma Tributária, um projeto em atual fase de regulamentação e com previsão gradual de oficialização, tem entre um de seus desdobramentos positivos sobre o sistema tributário, a diminuição das ‘Guerras Fiscais’. Isso porque a simplificação de impostos irá demarcar um novo aspecto tributário de arrecadação e de cumprimento com obrigações fiscais, visando a construção de um sistema mais justo e eficiente.
No entanto, há desafios significativos provenientes da ‘Guerra Fiscal’, sendo o principal deles a harmonização das legislações fiscais entre os estados e municípios, que dependem de um consenso sobre como equalizar os benefícios fiscais sem prejudicar economias locais que demandam incentivos para atrair investimentos. Além disso, a redistribuição de receitas finda-se como mais um movimento contrário à Reforma, sendo complexa a meta de equilibrar a proporção de receitas entre as regiões.
Mais dois pontos são necessários para a análise. O primeiro deles refere-se ao compromisso de evitar que a concentração de investimentos permaneça em áreas já desenvolvidas. O segundo, refere-se ao caminho de transição da Reforma, que terá uma longa tramitação, com novas alterações e resoluções, mas deve prezar pelo consenso de justiça e suavidade de novas regras tributárias, de modo que as entidades consigam absorver e adaptarem-se às novas realidades fiscais. Nesse cenário, mecanismos de compensação são necessários para evitar impactos negativos a curto prazo.
Ademais, não há como negar que a ‘Guerra Fiscal’ tem sido um desafio persistente para a coesão econômica e justiças sociais do Brasil, evidenciando desigualdades regionais e comprometendo a arrecadação tributária. Em um paradoxo de esperança e obstáculo, a Reforma tem muito a contribuir para o fim da ‘Guerra Fiscal’, mas, por outro lado, irá testar a complexidade e as demandas econômicas e políticas dos estados e municípios brasileiros, sendo um passo decisivo para que nós, enquanto sociedade, caminhemos em direção a um sistema fiscal mais transparente e, principalmente, mais justo, que sustente o crescimento financeiro do país sem sacrificar a saúde econômica regional.
*Reinaldo Nagao é Sócio no FNCA Advogados. Advogados, que possui mais de 20 anos de atuação no mercado, com especialização no departamento de Direito Tributário.
Sobre o FNCA Advogados
Consolidado no mercado desde 2007, o FNCA – Fernando, Nagao, Cardone, Alvarez Jr. & Advogados, exerce a advocacia empresarial e se destaca pelo atendimento personalizado, de acordo com as demandas de cada cliente. Atualmente, é referência no segmento, pela atuação diferenciada e objetiva, apoiando empresas de forma preventiva, além de fornecer o suporte ideal para tomadas de decisão. Presente no cotidiano operacional do cliente, leva o jurídico por meio de linguagem simples e transparente. O FNCA Advogados se destaca, principalmente, pela atuação pessoal dos sócios na definição das estratégias e planejamentos.