Recentemente, o cenário tributário no Brasil sofreu mudanças significativas com a introdução de um novo regime para subvenções de investimento. Esta reforma tem despertado interesse e preocupação entre empresários e especialistas, que buscam compreender seus impactos e desafios. Para discutir esse assunto, entrevistamos Eduardo Araújo, especialista contábil e tributário e CEO da Tax All Consultoria Tributária.
Nesta entrevista, Eduardo esclarece o que são subvenções, o propósito do novo regime tributário, os principais aspectos, benefícios e desafios desse regime, além de oferecer insights sobre a Reforma Tributária em curso no país.
O que são subvenções e qual é o propósito desse novo benefício fiscal Federal?
Eduardo Araújo: A subvenção de investimento, uma estratégia estatal para apoiar empresas privadas, consiste na concessão de reduções na carga tributária do ICMS, visando estimular a criação de empregos e a expansão do mercado das empresas envolvidas. Este mecanismo representa um modo indireto pelo qual o Estado promove o investimento empresarial, optando por uma renúncia fiscal em vez de um repasse direto de recursos. No entanto, a questão central surge em relação ao tratamento contábil desses incentivos, tradicionalmente registrados como receita pelas empresas. Sob uma perspectiva contábil, o aumento na receita resulta em um aumento correspondente no lucro da empresa, gerando uma obrigação de tributação federal sobre esse lucro adicional, especialmente em relação ao IRPJ e à CSLL.
A introdução da Lei nº 14.789/2023 marca um movimento estratégico da União para tornar mais rigoroso o acesso às reduções tributárias federais associadas às subvenções de investimento. Esta legislação tem como objetivo primordial estreitar as condições nas quais as empresas podem se qualificar para esses benefícios fiscais. Ao estabelecer critérios mais rigorosos, a intenção é reduzir o número de empresas capazes de obter vantagens tributárias por meio das subvenções.
Quais são os principais aspectos desse novo regime tributário dos quais os contribuintes devem estar cientes?
Eduardo Araújo: As principais mudanças concentram-se na restrição da desoneração tributária relacionada às subvenções, reduzindo significativamente a capacidade das empresas de excluir os quatro tributos federais da tributação dessas subvenções. Agora, a legislação permite apenas a exclusão de 25% do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) da base de cálculo. Além disso, foram estabelecidas regras específicas que as empresas devem seguir para serem consideradas elegíveis pela Receita Federal para a exclusão da receita proveniente de subvenções da base de cálculo do IRPJ, incluindo a exigência de um ato concessivo específico emitido pelo Estado em favor da empresa e a demonstração da aplicação efetiva do benefício fiscal.
Para garantir a redução do IRPJ ´por meio da exclusão da receita de subvenção, a empresa deve encaminhar um pedido de habilitação prévia à Receita Federal, seguindo um procedimento mais rigoroso e detalhado para obter esse benefício fiscal. Essas mudanças visam aprimorar o controle e a eficácia na concessão de benefícios fiscais, exigindo maior transparência e responsabilidade por parte das empresas beneficiárias das subvenções.
Quais são os benefícios e desafios desse novo regime para as empresas?
Eduardo Araújo: As recentes alterações no regime tributário para subvenções de investimento preservam os benefícios anteriores, porém com uma redução no alcance e na intensidade. Anteriormente, era possível excluir subvenções destinadas ao custeio e investimento da base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sem enfrentar uma série de exigências burocráticas. Agora, essa vantagem foi limitada apenas ao IRPJ, com a alíquota de exclusão reduzida de 43% para 25%, além de tornar o processo de habilitação e aplicação dos benefícios mais rigorosos. Essas mudanças adicionam uma complexidade extra à gestão fiscal das empresas, demandando uma atenção cuidadosa às novas exigências para qualificação e utilização dos incentivos fiscais disponíveis.
Como as empresas devem se preparar para se adequar às novas regras para uso do benefício fiscal?
Eduardo Araújo: Antes mesmo da promulgação da nova lei, a Receita Federal já mantinha uma postura ativa na fiscalização do aproveitamento da redução tributária pelas empresas. Em 2023, um marco importante foi estabelecido para os contribuintes, com uma vitória no Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconhecendo o direito à não tributação das receitas provenientes de subvenções. Esse precedente legal pavimentou o caminho para a nova legislação, visando eliminar a necessidade de recorrer a decisões judiciais anteriores, estabelecendo um novo marco regulatório para 2024. Contudo, as empresas já estão lutando pelos seus direitos, que são assegurados pelo STJ antes da nova lei, indo aos tribunais, alegando que a nova tributação das subvenções viola o pacto federativo, conforme previsto no artigo 150 da Constituição Federal de 1988. Diante desse cenário, a recomendação é que as empresas adotem uma postura mais cautelosa no uso dessa redução tributária, aguardando novas decisões do poder judiciário sobre o tema.
Reforma Tributária
Qual o atual estágio da Reforma Tributária no país e quais são as principais propostas em discussão?
Eduardo Araújo: A Reforma Tributária aprovada ao final de 2023 representa um marco significativo na história fiscal do Brasil, desencadeando um processo abrangente de transformação que envolve tanto o Poder Executivo quanto o Legislativo. Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132, diversos grupos de trabalho foram estabelecidos para analisar minuciosamente os detalhes dessa reformulação, com o objetivo claro de definir a regulamentação necessária para a plena implementação da emenda, incluindo as leis complementares que serão debatidas e aprovadas pelo Senado e pela Câmara dos Deputados.
Entre os vários aspectos em destaque nesse processo, um dos principais é a definição da alíquota máxima do IVA-Dual, elemento central da reforma tributária. Essa alíquota não é apenas um número, mas sim um ponto crucial que equilibra a necessidade de arrecadação do Estado com a não sobrecarga dos contribuintes. Paralelamente, a configuração do Comitê Gestor do IVA também recebe atenção, pois esse órgão terá a importante responsabilidade de administrar e orientar a implementação do IVA-Dual, assegurando a justiça, eficiência e adaptabilidade do sistema às necessidades do país. Ademais, a definição das empresas beneficiadas com reduções de alíquotas, especialmente nos setores essenciais de saúde e educação, destaca-se como um ponto crítico para garantir não apenas o estímulo a atividades fundamentais para o bem-estar da população, mas também para promover o desenvolvimento social e econômico do Brasil, conforme preconizado na Constituição Federal de 1988.
Quais são os principais pontos que empresários devem estar atentos em relação às propostas de Reforma Tributária?
Eduardo Araújo: A Reforma Tributária introduz uma mudança substancial no sistema fiscal brasileiro ao unificar cinco importantes tributos – ISS, ICMS, IPI, PIS e COFINS – no IVA-Dual, composto pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Essa unificação tem como objetivo simplificar o sistema tributário, reduzindo a complexidade e a burocracia para as empresas, ao mesmo tempo em que aprimora a eficiência da arrecadação. Além disso, a introdução do Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”, visa desencorajar o consumo de produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, alinhando o país a uma tendência global de promoção de hábitos de consumo mais saudáveis e sustentáveis.
Outras inovações relevantes incluem a expansão da base de cálculo do IPVA para abranger determinadas embarcações e aeronaves, buscando refletir de forma mais adequada a diversidade de patrimônios sujeitos à tributação e corrigir distorções que privilegiavam detentores de bens de luxo. A reforma também prevê a introdução de uma tabela de faixas de progressão para o ITCMD, tornando a tributação mais equitativa ao propor uma contribuição proporcionalmente maior para aqueles que herdam ou recebem doações de maior valor, em consonância com os princípios de equidade e capacidade contributiva. Essas mudanças refletem o esforço do governo em modernizar o sistema tributário brasileiro e promover uma distribuição mais justa da carga fiscal.
Como a Reforma Tributária pode impactar os empresários e suas operações?
Eduardo Araújo: A implementação da Reforma Tributária está programada para iniciar apenas em 2026, com um período de transição se estendendo até 2032. Durante essa transição, é provável que as empresas enfrentem custos operacionais adicionais ao lidarem simultaneamente com os sistemas tributários antigos e novos. No entanto, espera-se que ao final desse período, haja uma simplificação nos procedimentos fiscais, resultando em uma redução dos custos operacionais para as empresas. Em relação à carga tributária, o governo esclareceu que o objetivo da reforma não é necessariamente reduzi-la, mas certos segmentos da indústria e do comércio podem experimentar uma diminuição com a adoção do modelo abrangente do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que favorece setores que adquirem uma quantidade significativa de bens e materiais para produção ou comercialização, permitindo-lhes acumular mais créditos tributários. Por outro lado, os setores como serviços e agronegócios enfrentem um aumento considerável na carga tributária, o que tem gerado preocupações no setor privado, evidenciadas pelas manifestações públicas das entidades representativas desses setores. Há expectativas de que reformas adicionais, como ajustes no imposto de renda e na tributação da folha de pagamento, possam oferecer benefícios compensatórios para esses setores, equilibrando o impacto do aumento tributário introduzido pelo IVA Dual.
Como os empresários podem se preparar para as mudanças decorrentes da Reforma Tributária?
Eduardo Araújo: À medida que a Reforma Tributária se desenvolve, torna-se vital para as empresas compreender profundamente os novos tributos, como o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirão uma variedade de impostos existentes. Essa compreensão abrange desde as alíquotas aplicáveis até a maximização dos créditos tributários disponíveis, além da adaptação às regras de transição estabelecidas. Com a transição prevista até 2032, as empresas enfrentarão o desafio de operar sob dois sistemas tributários simultaneamente, o que inevitavelmente trará custos operacionais adicionais e aumentará a complexidade administrativa. Essa dualidade reforça a importância de um planejamento cuidadoso para gerenciar essas complicações de forma eficaz.
A reforma também ressalta a importância de maximizar os créditos tributários disponíveis, beneficiando especialmente setores que realizam compras significativas de bens e materiais. No entanto, os impactos variarão entre os setores: enquanto alguns podem se beneficiar da simplificação e redução da carga tributária, outros, como serviços e agronegócios, podem enfrentar aumentos significativos. Diante disso, uma avaliação cuidadosa dos impactos setoriais é crucial, assim como o investimento em tecnologia e capacitação das equipes técnicas para garantir a conformidade e otimizar os processos fiscais. Essas medidas permitirão que as empresas se adaptem às novas exigências fiscais, assegurando uma transição suave para o novo regime tributário e preparando-se para oportunidades de crescimento e eficiência a longo prazo.
Para finalizar, qual a sua análise sobre o futuro da Reforma Tributária em 2024?
Eduardo Araújo: Para 2024, a atenção do Congresso estará centrada na regulamentação da Reforma Tributária, conforme estipulado pela Constituição Federal, através da promulgação de novas leis complementares. Existe a possibilidade de surpreender o público com uma alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) que seja inferior aos 27% amplamente debatidos. É fundamental que tanto o Poder Executivo quanto o Legislativo atuem em conjunto para equilibrar as contas, possivelmente revendo as regras do imposto de renda e dos tributos sobre a folha de pagamento, visando uma efetiva redução da carga tributária para empresas impactadas pelo aumento decorrente da reforma.
Além disso, em linha com a intenção do Governo de alinhar o Brasil aos modelos tributários mais avançados globalmente, é esperado um esforço genuíno para reduzir a alíquota dos impostos sobre o consumo, especialmente o novo IVA, para bem abaixo dos 27% mencionados. Isso deve ser acompanhado por uma tributação progressiva da renda, com ajustes na tabela vigente e a implementação de tributos sobre grandes fortunas e patrimônios, promovendo um sistema tributário mais justo e equilibrado. Essas pautas devem ser prioritárias no contexto das reformas fiscais, buscando não apenas simplificar e modernizar a estrutura tributária existente, mas também distribuir a carga tributária de forma mais equitativa, estimulando o crescimento econômico e a competitividade internacional do país. Com essas medidas, espera-se uma melhoria na eficiência da arrecadação, bem como uma redução na complexidade e nos custos de conformidade para empresas e cidadãos brasileiros, alinhando-se às melhores práticas tributárias globais.
Diante das informações fornecidas por Eduardo Araújo, ficam evidentes a complexidade e os desafios que as empresas enfrentarão com o novo regime tributário para subvenções de investimento. É crucial que os empresários estejam atentos às mudanças legislativas e se preparem adequadamente para se adaptar a esse novo cenário tributário, buscando apoio de especialistas da área para garantir conformidade e eficiência nas operações empresariais.
Quanto à Reforma Tributária, fica claro que estamos diante de um cenário desafiador e de grande expectativa por parte dos empresários e da sociedade como um todo. As mudanças propostas têm o potencial de simplificar o sistema tributário brasileiro, promover uma distribuição mais equitativa da carga fiscal e alinhar o país aos modelos tributários mais avançados globalmente.
No entanto, é essencial que o setor empresarial esteja preparado para enfrentar os desafios decorrentes desse processo, como custos operacionais adicionais e possíveis aumentos na carga tributária em algumas áreas. A compreensão profunda das novas regulamentações, o investimento em tecnologia e capacitação, e um planejamento estratégico cuidadoso serão fundamentais para uma transição suave e para a maximização das oportunidades de crescimento e eficiência no longo prazo. Com a colaboração entre os setores público e privado, é possível avançar rumo a um sistema tributário mais justo, transparente e favorável ao desenvolvimento econômico do Brasil.