A Argentina elegeu Javier Milei, candidato da ultradireita, o seu próximo presidente. Antes mesmo do resultado das urnas se confirmar, um dos questionamentos frequentes lançados na imprensa era sobre como ficariam as relações entre a Argentina e o Brasil, visto o comportamento beligerante com o nosso país e, em particular, com o presidente Lula. Afinal, devemos temer um governo de direita no nosso principal vizinho? Como serão as relações entre os dois países pelos próximos anos?
Bom, a resposta à primeira pergunta, a princípio, é não. O futuro governo Milei representará o quinto ciclo de um governo de direita na história recente daquele país. Os governos de Videla, Menem, De la Rua e Macri foram indiscutivelmente de direita e de orientação liberal na economia e, com exceção entre os anos 1990-1992, quando o Brasil era governado por Fernando Collor, igualmente um presidente de direita. Os demais períodos não houve coincidência de posicionamento ideológico entre os governos dos dois países. No entanto, as relações entre Argentina e Brasil se mantiveram amigáveis e cooperativas. Essa característica nas nossas relações apenas passou por uma turbulência recentemente, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro usava a crise econômica na Argentina e o fato do presidente argentino Alberto Fernandez ser um peronista de esquerda, como um exemplo do caos que se tornaria o Brasil, caso a esquerda fosse eleita para governar o nosso país.
Apesar da retórica extremada de que não manterá relações pessoais com o presidente do Brasil, Milei segue uma cartilha que já tem se tornado comum aos presidentes da nova direita: levantar polêmicas inócuas. Elege-se um inimigo, muitas vezes imaginário, e se utiliza da “lacração” para fomentar a sua base de apoio. Isso gera repercussão, inclusive na imprensa tradicional, mas que, efetivamente, não leva a lugar nenhum. O Brasil de Bolsonaro é um exemplo claro da diplomacia da lacração: levanta polêmicas, resulta em isolamento diplomático e um certificado de pária internacional.
Isso nos leva à resposta do segundo questionamento. Argentina e Brasil possuem duas chancelarias extremamente competentes e técnicas, possuindo canais bilaterais consolidados, refletindo em organizações internacionais que alimentam os canais dinâmicos de comunicação. É o caso do MERCOSUL e da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), uma agência bilateral de controle e fiscalização da produção de energia atômica mantida pelos dois países. Além disso, Argentina e Brasil são importantes parceiros comerciais, e em caso de rompimento das relações internacionais entre ambos, o maior prejudicado, sem dúvida, serão os argentinos, dada a sua profunda crise macroeconômica.
Diferentemente de Bolsonaro, onde não havia uma crise macroeconômica severa, Milei não terá muita margem para seguir um comportamento de lacração e de rompimentos diplomáticos, seja com o Brasil, MERCOSUL, BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ou qualquer outro organismo multilateral. Como dinheiro não aceita desaforo, Milei precisa construir uma imagem de que a Argentina será um país confiável para os investidores externos, incluindo os empresários brasileiros, o que demanda um comportamento de cooperação e não de isolamento internacional. Por parte do Brasil, independentemente das relações pessoais que Milei e Lula cultivem, não há qualquer perspectiva de rompimento das vias diplomáticas. Caso isso venha ocorrer, muito provavelmente virá do futuro governo argentino.
A futura diplomacia do governo Milei irá representar qual é o grau de seriedade com que ele pretende governar a Argentina. Apesar do discurso mais moderado e o apoio de partidos tradicionais que podem exigir um comportamento responsável por parte do presidente eleito, é sempre bom lembrar de que muitos votaram nele justamente pela radicalização e pela ruptura de “velhas estruturas políticas”, incluso no campo da diplomacia. De qualquer forma, algum grupo irá se decepcionar com Milei. Nesse momento, seria bom o futuro presidente se lembrar do estadista francês Charles De Gaulle: “Em política, se trai o país ou o eleitorado. Prefiro trair o eleitorado”.
*Guilherme Frizzera é doutor em Relações Internacionais e mestre em Integração da América Latina. Atualmente é coordenador do curso de Relações Internacionais da UNINTER.
Este conteúdo foi distribuído pela plataforma SALA DA NOTÍCIA e elaborado/criado pelo Assessor(a):
U | U
U