* Marcelo Machado
A aprovação do Marco do Saneamento no Congresso Nacional, em 2020, parecia ter sido um ponto de virada para o Brasil. Mas, após os primeiros anos de privatizações de empresas e aumento de investimentos, o país parece avançar de uma forma mais lenta para cumprir as metas de universalização de água potável (99%) e esgoto (90%) até 2033. O desafio agora é voltar ao ritmo de anos atrás e, nos próximos nove anos, levar o saneamento para todas as regiões do país.
O atraso no cumprimento das metas do Marco do Saneamento é ruim para todos, principalmente para a população das áreas que mais carecem desses serviços. Além de sofrerem mais com doenças, enchentes, baixa produtividade, rendimento escolar comprometido, desvalorização do turismo, há um outro aspecto que atinge essas pessoas e que parece passar despercebido pelos governos e pela sociedade: a pouca oportunidade de geração de emprego e renda. Não esqueçamos que esses números, quando positivos, são um dos indicadores para a aprovação de gestores públicos e fator primordial na redução da desigualdade social.
De acordo com estudo do Instituto Trata Brasil, em parceria com as consultorias Utopies e Rever, o país geraria até 11,9 milhões de empregos a partir do investimento de R$ 304 bilhões até 2033, montante estimado pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB – versão 2013). É o tamanho da população inteira da capital paulista ou de países como Bélgica, Bolívia e Haiti. Impressiona que a sociedade brasileira não esteja em um movimento estruturado para resolver o saneamento básico enquanto ataca a taxa de desemprego, acima de 7% segundo o IBGE, equivalente a mais de 8 milhões de brasileiros.
A 16ª edição do Ranking do Saneamento, divulgada em março pelo Trata Brasil, mostrou que quase 32 milhões de pessoas (16% da população) não têm acesso à água e cerca de 90 milhões (44% da população) não contam com serviço de coleta de esgoto. Outro dado que ilustra o impacto cruel dessa lentidão dos últimos anos no cumprimento das metas de saneamento é a disparidade entre as regiões mais ricas (Sul e Sudeste) e as mais pobres (Norte e Nordeste): nenhuma das 20 cidades melhores ranqueadas pertencem aos estados do Norte e do Nordeste, enquanto 12 estão localizados no Sudeste, cinco no Sul e três no Centro-Oeste. No ranking dos 20 piores municípios, 13 são do Norte e do Nordeste.
Outro ponto do estudo que mostrou os desafios que temos que cumprir para alcançarmos as metas do Marco do Saneamento é o déficit no investimento anual médio por habitante que as cidades devem fazer. Mesmo as localidades melhores ranqueadas ainda estão 13% abaixo desse patamar, que é de R$ 231,09 por habitante. Já aquelas com menores índices estão 68% abaixo desse valor. Do lado dos fornecedores do setor, há apetite para a retomada de investimentos na ampliação da produção, o que geraria empregos imediatamente.
Até mesmo a ampliação do debate sobre saneamento, outro ponto alto observado após a aprovação do Marco do Saneamento, perdeu força nos últimos 12 meses, depois de um breve período de discussões na esteira dos últimos decretos do Governo Federal para o setor. O tema precisa ser retomado e o período de eleições municipais pode incentivar as discussões. Mas que essas sejam acompanhadas de ações concretas para acelerar o cumprimento das metas de universalização do saneamento básico, assegurando dignidade a todos os brasileiros.
* Marcelo Machado é CEO da Saint-Gobain Canalização.