Desde 2018, o Banco Central do Brasil (BACEN) vem flexibilizando diversas regras para ampliar o acesso a serviços bancários no país. Esse movimento impulsionou o surgimento de inúmeras fintechs, facilitado pelo modelo de Banking as a Service (BaaS). Nesse sistema, empresas com licenças no mercado financeiro fornecem infraestrutura para que outras se concentrem na distribuição de serviços bancários. Como resultado, o Brasil viu o nascimento de unicórnios como Dock e QI Tech, empresas focadas no segmento de Banco como Serviço.
Para uma startup, existem três alternativas principais quando se trata de escolher uma estratégia de infraestrutura bancária: i) usar um provedor de BaaS, ii) adotar um modelo de core banking completo ou iii) optar por um ledger in-house.
A primeira alternativa, usar um provedor de BaaS, traz diversas vantagens, como velocidade de lançamento, permitindo que a startup foque no desenvolvimento do produto principal, deixando a complexidade regulatória e a conectividade com o sistema financeiro a cargo do provedor de BaaS. Além disso, há uma redução de custos iniciais, pois não é necessário investir em infraestrutura própria ou em uma equipe dedicada para lidar com aspectos regulatórios e de compliance. Os provedores de BaaS também oferecem acesso a uma ampla gama de serviços financeiros, como contas, pagamentos, cartões e empréstimos, permitindo que a startup ofereça uma proposta de valor completa aos seus clientes.
No entanto, conforme a startup cresce, o provedor de BaaS pode se tornar um limitante. A cada R$1 gerado de receita, o provedor de BaaS pode ficar com até R$0,90, reduzindo significativamente a margem da startup. Além disso, a startup fica limitada aos serviços e às funcionalidades oferecidas pelo provedor de BaaS, dificultando a diferenciação no mercado e a inovação de produtos. Outro ponto crítico é a dependência de terceiros, fazendo com que a startup não tenha controle total sobre a experiência do usuário e a qualidade do serviço, ficando refém do desempenho e da disponibilidade do provedor de BaaS. Por fim, o acesso limitado aos dados dos clientes pode prejudicar a capacidade da startup de personalizar ofertas e melhorar produtos.
A segunda alternativa é a startup obter sua própria licença regulatória e adotar um modelo de core banking completo, que oferece ledger, mensageria e plataformas de governança de forma 100% encapsulada. Essa abordagem traz alguns benefícios, como controle total sobre a operação, permitindo que a startup tenha autonomia para definir seus próprios processos, políticas e fluxos de trabalho, adaptando-se melhor às necessidades do negócio. Com um core banking completo, a startup também tem maior flexibilidade de produtos, podendo criar soluções financeiras diferenciadas e inovadoras, sem as limitações impostas por um provedor de BaaS. Além disso, essa abordagem possibilita uma melhor gestão de riscos e compliance, permitindo que a startup adote políticas mais adequadas ao seu perfil de negócio e apetite de risco. Por fim, há o potencial de receita adicional, uma vez que a startup pode monetizar sua infraestrutura, oferecendo serviços de BaaS para outras empresas e gerando uma nova fonte de receita.
No entanto, essa abordagem também apresenta desafios significativos, como o alto custo inicial, já que obter uma licença regulatória e implementar um core banking completo requer um investimento significativo em infraestrutura, tecnologia e equipe especializada. Além disso, há uma maior complexidade operacional, exigindo que a startup gerencie todos os aspectos da operação financeira, desde a gestão de riscos até a prevenção à lavagem de dinheiro, demandando uma equipe experiente e processos robustos. O tempo de lançamento mais longo também é um fator a ser considerado, pois o processo de obtenção de licença e implementação de um core banking completo pode levar meses ou até anos, atrasando o lançamento do produto no mercado. Por fim, a startup fica exposta a maiores riscos, assumindo a responsabilidade total pela operação financeira e todos os riscos associados, como fraudes, falhas de segurança e não conformidade regulatória.
A terceira alternativa é a startup optar por um ledger in-house e utilizar serviços externos de mensageria e governança por meio de integrações. Essa abordagem oferece um equilíbrio entre os benefícios e desafios das abordagens anteriores. Com um ledger in-house, a startup tem total controle e acesso aos dados de seus clientes, permitindo análises mais precisas e personalização de produtos. Além disso, a startup pode escolher os melhores provedores de serviços de mensageria e governança para cada caso de uso, garantindo a melhor qualidade e eficiência, o que proporciona flexibilidade de integração. Ao ter seu próprio ledger, a startup também reduz a dependência de um único provedor e pode migrar entre parceiros com mais facilidade, evitando o “vendor lock-in”. Por fim, com as integrações externas, a startup pode substituir componentes específicos da infraestrutura sem precisar refazer todo o sistema, reduzindo o custo e o tempo de mudança.
Entretanto, essa abordagem também apresenta alguns desafios, como a necessidade de integração, exigindo que a startup desenvolva e mantenha integrações com diversos provedores externos, demandando uma equipe técnica qualificada e um esforço contínuo de manutenção. Gerenciar múltiplas integrações pode aumentar a complexidade da arquitetura do sistema, exigindo uma governança eficiente e uma boa gestão de dependências. Além disso, ao utilizar serviços externos, a startup compartilha a responsabilidade pela disponibilidade e desempenho do sistema com seus parceiros, podendo enfrentar desafios de suporte e resolução de problemas.
Em conclusão, a escolha da estratégia de infraestrutura bancária é uma decisão crítica para o sucesso de uma startup de fintech. Cada alternativa apresenta seus próprios benefícios e desafios. Usar um provedor de BaaS oferece velocidade de lançamento e reduz a complexidade inicial, mas pode se tornar um limitante à medida que a startup cresce. Adotar um modelo de core banking completo proporciona maior controle e flexibilidade, mas requer um alto investimento inicial e apresenta maior complexidade operacional. Optar por um ledger in-house com integrações externas oferece um equilíbrio entre controle, flexibilidade e eficiência, permitindo que a startup escolha os melhores parceiros para cada caso de uso e reduza a dependência de um único provedor.
Ao considerar essas três alternativas, a abordagem do ledger in-house surge como uma opção atraente para startups de fintech que buscam um equilíbrio entre autonomia, flexibilidade e eficiência operacional. Essa estratégia permite que as startups tenham maior controle sobre seus dados e operações financeiras, ao mesmo tempo em que se beneficiam da agilidade e da especialização de provedores externos de mensageria e governança. Adotar um ledger in-house posiciona as startups para o sucesso no dinâmico mercado de serviços financeiros, permitindo que elas inovem, cresçam e atendam às necessidades em constante evolução de seus clientes, sem comprometer a escalabilidade ou a eficiência operacional.
* Gabriel Sanchez é Product Lead e parte do Founding Team da Lerian, startup de infraestrutura tecnológica que tem como seu principal produto o Midaz, um banco de dados para armazenar e autorizar informações transacionais e que possui como premissa o modelo de open source. Liderou com sucesso na América Latina, Estados Unidos e Europa em diversos setores, incluindo IA, fintech e logística, para entregar soluções inovadoras que resultaram em mais de US$ 30 milhões em receita e redução de custo ao longo de sua carreira
Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
Gabriela Calencautcy
gcalencautcy@piarcomunicacao.com.br