*Por Manoel Jordão
Em maio de 2024 o Secretário de Prêmio e Apostas do Ministério da Fazenda divulgou a portaria nº 827, de modo a estabelecer as regras e as condições para obtenção da autorização para exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa por agentes econômicos privados, em todo o território nacional. Esse importante marco regulatório disciplina a modalidade, balizando a dinâmica organizacional das empresas interessadas em atender os apostadores. A arrecadação de tributos, possível com a regulamentação da atividade, também é fator motivador para a iniciativa governamental, exigindo que essa indústria se torne doméstica.
Conforme ali exposto, a exploração comercial da loteria de apostas de quota fixa no território nacional será exclusiva de pessoas jurídicas que se habilitem e recebam autorização, prévia, para atuar como agente operador de apostas, expedida pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF). Para quem já está em atividade, o prazo para regularizar a situação da empresa é 31/12/2024. A modalidade de loteria de aposta de quota fixa, caracterizada como um sistema de apostas vinculado a eventos reais, no qual o valor que o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico é determinado no momento da aposta, foi instituída pela Lei nº 13.756/2018.
Somente serão elegíveis à tal autorização as pessoas jurídicas constituídas segundo a legislação brasileira, com sede e administração em território nacional, que atenderem a todas as exigências legais e regulamentares. A pessoa jurídica nacional, subsidiária de sociedade estrangeira, constituída segundo a legislação brasileira, com sede e administração no território nacional, poderá ser autorizada a explorar a loteria de apostas de quota fixa, observada a obrigatoriedade de participação de brasileiro como sócio detentor de ao menos vinte por cento do capital social da pessoa jurídica. As pessoas jurídicas consideradas filial, sucursal, agência ou representação, no País, de pessoa jurídica com sede no exterior, não são elegíveis à autorização.
Dentre as diversas exigências, há as relacionados a governança, à idoneidade e ausência de medidas judiciais em desfavor dos controladores e administradores das empresas candidatas e outras relacionadas à capacidade financeira das mesmas.
De forma análoga à regulamentação do Banco Central (BCB) sobre a governança das instituições financeiras e de pagamento, devem ser designados responsáveis pelas seguintes áreas:
Contábil e financeira;
Tratamento e segurança de dados pessoais;
Segurança operacional do sistema de apostas;
Integridade e compliance;
Atendimento aos apostadores e ouvidoria;
Relacionamento com o Ministério da Fazenda.
Os responsáveis por essas áreas devem exercer cargo de diretor ou equivalente. Adicionalmente, é vedado o acúmulo de funções pelos responsáveis das áreas referenciadas nos itens i a v. O BCB também exige designação de diretores responsáveis por vários assuntos, que devem ser registrados no sistema Unicad, com a devida segregação de funções, evitando conflito de interesses.
Quanto à capacidade financeira das empresas, a portaria do MF estipula capital integralizado e patrimônio líquido mínimos de R$ 30 milhões, além de reserva financeira mínima de R$ 5 milhões. Os respectivos comprovantes devem acompanhar o pedido de autorização. No caso do BCB, também há previsão de capital mínimo para as instituições autorizadas, a depender da modalidade (banco, financeira, IP etc.), além do patrimônio mínimo a ser mantido, este em consonância com os riscos individuais, seguindo normas prudenciais (“Acordo de Basiléia”).
Dentre as exigências, duas se destacam como motivadoras do interesse de instituições financeiras e de pagamento em atuarem, ou intensificarem negócios, nesse segmento.
O volume de recursos que circula na atividade é expressivo, estimado em R$ 150 bilhões por ano, envolvendo mais de 30 milhões de pessoas. Considerado ramo sensível para movimentações financeiras, que podem ensejar lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (LD FT), as instituições supervisionadas pelo Banco Central receavam atender essas empresas. Dentre as preocupações, cabe mencionar dificuldades relativas à rastreabilidade dos recursos e à identificação de quem estivesse participando das apostas. Com a regulamentação recente pelo Ministério da Fazenda, tais temores tendem a ficar atenuados, pois essas instituições poderão mostrar diligência na aceitação dos clientes (“customer onboarding”), mediante a conferência das etapas previstas no processo de autorização do MF, acompanhados das evidências documentais, complementando eventualmente com as verificações de notícias a respeito da empresa, seus controladores e administradores (“background checking”). Em linha com as práticas de cada instituição, as diligências na aceitação de clientes (“customer due diligence”) com atividade em ramo sensível para LD FT devem ser reforçadas (“enhanced due diligence”), comparativamente aos ritos ordinários de “onboarding”.
Outro fator importante para o interesse diz respeito ao trânsito de recursos, uma vez que apenas instituições reguladas poderão prestar serviços financeiros para o segmento. A Portaria SPA/MF nº 615, de 16 de abril de 2024, estabelece regras gerais a serem observadas nas transações de pagamento realizadas por agentes autorizados a operar a modalidade lotérica de apostas de quota fixa em território nacional, determinando que o apostador poderá transferir recursos para a realização de apostas por meio de PIX, TED, cartões de débito ou cartões pré-pagos, desde que os recursos sejam provenientes da sua conta cadastrada na “bet”. Estão proibidos aportes financeiros por meio de dinheiro em espécie, boletos de pagamento, criptoativos ou qualquer outra forma alternativa de depósito que possa dificultar a identificação da origem dos recursos.
Também não serão aceitos cartões de crédito ou quaisquer outros instrumentos pós-pagos, como medida prudencial de desestímulo ao endividamento das famílias brasileiras. Os recursos aportados pelos apostadores deverão permanecer segregados dos recursos dos agentes operadores, não podendo ser utilizados para despesas operacionais destes ou dados em garantia de dívidas. O pagamento de apostas vencedoras, ou resgate dos aportes não utilizados por apostadores, também seguem regras específicas, garantindo que o trânsito de recursos ocorra unicamente entre instituições financeiras ou de pagamento autorizadas pelo BCB.
Embora a regulamentação das “bets” ainda esteja em construção, o interesse de bancos e outros intermediários em prestar serviços financeiros a essa indústria tem sido crescente, face à segurança e respaldo das autorizações em curso. Da mesma forma, escritórios de advocacia e consultorias, habituados a apoiar os processos de autorização junto ao BCB têm oportunidade de ampliar o escopo de atuação. Uma vez obtida a outorga para explorar a atividade, os agentes operadores das apostas precisarão se preocupar com a implementação operacional de processos, sistemas e controles. Em seguida, em manter a adequação a um ambiente regulado, passível de verificação pelas autoridades.
*Manoel Jordão é Diretor Líder do Segmento de Compliance e Prevenção à Lavagem de Dinheiro da The Sharp Fintech Consultoria. Com mais de 35 anos de experiência no mercado financeiro, o executivo é especialista em controles internos, compliance, PLD FT, gestão de riscos, certificado em fintechs e meios de pagamento.
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STEPHANIE FERREIRA
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