Grandes oportunidades costumam exigir mais dos atores na televisão. Gabriela Medeiros, a doce Buba de “Renascer”, é um exemplo. A atriz de 22 anos experimenta, com a atual personagem da novela das 21h da Globo, um grande marco em sua carreira, já na sua estreia nos folhetins. Mas o caminho até se tornar a escolhida para desempenhar o papel não foi curto e, muito menos, fácil. “Foi um teste muito rigoroso, com três self-tapes. Passamos por um processo de preparação para o último teste. Então, no final, deu tudo certo. Fiquei muito ansiosa e nervosa, mas aconteceu”, lembra Gabriela.
Na história, Buba é uma obstinada e competente psicóloga que se vê cotada para assumir um cargo de liderança em uma multinacional. Mas não é exatamente o sucesso profissional da personagem que chama a atenção no texto adaptado por Bruno Luperi, neto de Benedito Ruy Barbosa, autor da primeira versão de “Renascer”, exibida originalmente pela Globo em 1993. O grande trunfo de Gabriela para emocionar o público com sua atuação está nos conflitos pessoais de Buba, que se apaixonou perdidamente pelo aparentemente conservador José Venâncio, vivido por Rodrigo Simas, já no começo da segunda fase da novela. A jovem sonha em formar uma família com ele e ser mãe, mas o preconceito por ser uma mulher trans vira um grande obstáculo para o casal. “A principal repercussão é a da representatividade e isso é muito importante. Estar em uma novela das nove e com uma história tão potente é um legado que estou deixando. Sinto a responsabilidade, durmo pensando nisso e torço para que recebam Buba com muito carinho”, avalia.
Já há algum tempo, a Globo aposta na diversidade em sua programação e também nas sinopses de sua teledramaturgia. Essa movimentação abriu portas para elencos com maior participação de negros, asiáticos, indígenas, pessoas com deficiência e trans, entre diversos grupos. Gabriela também é uma mulher trans, mas não cresceu com a mesma representatividade que hoje se vê na tevê. “Sou feliz por representar meninas iguais a mim. Isso é muito poderoso e simbólico. Estou em um lugar de realização como mulher”, conta, orgulhosa.
Não chega a surpreender que o dia em que pegou o roteiro de “Renascer” nas mãos pela primeira vez tenha ficado marcado na memória de Gabriela. Aliás, certamente se tornará daqueles difíceis de serem esquecidos. “Foi muito importante para a minha vida. Pensei que esse projeto iria mudar a minha vida. E não só na questão do trabalho, mas no sentido pessoal, como mulher, como algo transformador. E a Buba é apaixonante”, derrete-se, mencionando que o sonho de ser atriz ficou guardado durante algum tempo. “Eu trabalhava no mercado financeiro e fazia Psicologia. Acabei largando tudo para viver de arte e, hoje, estou aqui. Meu maior sonho é inspirar as pessoas”, diz.
“Renascer” – Globo – Segunda a sábado, na faixa das 21h.
Construção Cuidadosa
Quando se trata de um remake, é natural que os atores sintam curiosidade de ver o que foi exibido na primeira versão. Com Gabriela não foi diferente e a atriz não faz a menor questão de esconder isso. Porém, deixa claro que se esforçou para não usar o que viu como base de seu trabalho de preparação para iniciar as gravações. “Cheguei a ver, mas não baseei minha construção ali. Buba nasceu da minha escrita, dos meus desenhos. Ela é muito sensível e delicada. Traz uma doçura que todos vão amar”, prevê.
Na verdade, Gabriela faz questão de mencionar que Buba não foi construída sozinha. “Tive muitas conversas com o Bruno (Luperi, autor da adaptação de ‘Renascer’) e trocas com o elenco. A Buba é intensa, mexe com o âmago por ser tão próxima de mim. Então, ela nasceu também das minhas poesias, textos e desenhos. Buba é quase como um mito”, analisa.
Na primeira versão, Buba era uma pessoa intersexo. Na época, era chamada de hermafrodita em “Renascer”, um termo que não se usa mais nos dias atuais. E marcou também a estreia de outra atriz nas novelas: Maria Luísa Mendonça, com quem Gabriela chegou a conversar. “Tive trocas com a Maria Luísa Mendonça, que foi muito solícita na conversa. Ela falou para eu ir pelo caminho da doçura, porque a Buba é terna e carrega isso no olhar”, entrega Gabriela.
Tamanha representatividade e estrear no núcleo principal de uma novela das 21h da Globo se traduziu em uma sensação de responsabilidade enorme para Gabriela. Mas, apesar de aparentar uma insegurança normal para quem está em início de carreira, o tom otimista parece sempre presente em seu discurso. “Não sei se me sinto preparada, a gente nunca está tão preparada para nada. Mas eu sinto que algo muito bom está para acontecer”, defende.
Instantâneas
# Gabriela Medeiros nasceu em São Paulo em 2001 e com apenas 14 anos iniciou o processo de transição de gênero.
# A estreia de Gabriela na televisão aconteceu na série “Vicky e a Musa”, do Globoplay, como a adolescente Dani. Além de atuar, a atriz também soltou a voz nos números musicais da trama.
# O interesse de Gabriela pelas artes cênicas já é antigo. Os estudos no teatro começaram quando tinha 13 anos.
# Além de atriz, Gabriela também é fotógrafa, pintora e escreve poesias.