A independência dos três poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — é reconhecida pela Constituição brasileira. Mas para que exista o equilíbrio e a participação de cada um, de acordo com suas atribuições, é necessário independência e harmonia entre eles. Segundo o analista político, doutor em História Política e professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie (CPM) – Tamboré, Victor Missiato, atualmente existe uma certa instabilidade por conta de um ativismo judiciário.
Em entrevista ao Brasil61.com, Missiato defende que as mudanças culturais, religiosas e políticas da sociedade brasileira estão influenciando radicalmente uma transformação no perfil do Poder Judiciário brasileiro — e também do Poder Legislativo.
Confira a entrevista:
Brasil 61: O que diz a Constituição brasileira sobre essa questão da interferência do STF nas atribuições do legislativo — e de que forma isso contribui para o funcionamento das instituições das três esferas de governo?
Victor Missiato: “A Constituição brasileira reconhece a independência dos três poderes. Portanto, nós temos duas palavras extremamente importantes para entendermos o papel dos três poderes na Constituição brasileira, no caso Legislativo, Executivo e Judiciário. Tratam-se de poderes independentes e harmônicos entre si. Portanto, no texto constitucional, a harmonia e a independência entre os poderes são expressões fundamentais para entender a importância de se buscar esse equilíbrio entre os poderes, constantemente. Então é fundamental nós pensarmos nesses dois elementos, independência e harmonia entre os três poderes no texto constitucional”.
Brasil 61: Nós conseguimos observar isso atualmente? Existe esse equilíbrio?
VM: “Atualmente, esse equilíbrio está muito instável por conta de um ativismo judiciário que decorre dos últimos 15 anos, principalmente, que vem colocando cada vez mais a figura do Judiciário como um papel muito protagonista no que diz respeito a legislações políticas do país — e não apenas mais interpretações constitucionais. Então, o que significa esse ativismo judiciário? Que ao invés de recorrer a casos muito peculiares de interpretações constitucionais do Brasil, a Suprema Corte vem legislando em algumas políticas, atravessando muitas funções do Legislativo e ao executar essa lei também do Executivo. Portanto há sim um desequilíbrio que está pendendo para um protagonismo do judiciário. O que é interessante ao percebermos esse equilíbrio instável é que o Legislativo nos últimos anos vem também agora procurando equilibrar essa força dentro dessa instabilidade sem harmonia. E a polêmica envolvendo a questão do marco regulatório agora é um dos sintomas principais dessa instabilidade”.
Brasil 61: Podemos associar o cenário atual do Brasil às mudanças no perfil político, cultural, econômico e religioso da sociedade?
VM: “Sem dúvida alguma, as mudanças culturais, religiosas, políticas da sociedade brasileira nos últimos 30 anos estão influenciando radicalmente uma transformação no perfil do poder judiciário brasileiro e também do poder legislativo. De um lado, nós temos a ascensão de uma visão progressista de poder, principalmente na área do direito, que está relacionada a esse ativismo judiciário, que faz parte de uma influência muito forte do próprio judiciário norte-americano, em que há um poder muito grande do judiciário no que diz respeito à atuação política de seus juízes.
Por isso que é um poder judiciário muito federalizado e ao mesmo tempo muito potencializado nos Estados Unidos, onde a cultura jurídica cada vez mais tende para uma mudança através dos costumes. Então, nós temos por parte da representação direta do povo brasileiro, um posicionamento mais conservador no poder legislativo e de outro, numa camada mais média da população brasileira, uma ascensão do ativismo judiciário mais progressista. E, por isso, esses embates”.
Brasil 61: Como o STF tem se comportado diante desse quadro? Como explicar a atuação do Judiciário no cenário atual?
VM: “É fundamental nós percebermos uma transformação do perfil judiciário brasileiro que historicamente estava mais ligado ao chamado Civil Law, que tem uma origem romano-germânica no conjunto das leis, ou seja, num padrão das leis, num sentido mais tradicional das leis, da formulação dessas leis. E em contraposição agora vem acendendo cada vez mais uma influência do chamado Common Law, que é uma família jurídica baseada na tradição inglesa e que depois passou para os Estados Unidos, que tem muita força na jurisprudência e no acompanhamento dos costumes da sociedade”.
Brasil 61: E de que forma o pacto federativo acaba sendo afetado e quais são as consequências para os municípios, onde de fato vivem as pessoas?
Victor Missiato: “Quando muitas das pautas dentro dos municípios, da movimentação das pessoas, da circulação de mercadorias, ela é afetada com decisões inclusive monocráticas. Quando apenas um ministro decide, estabelece aquilo antes de ir para o plenário e aquilo fica valendo por alguns meses talvez anos. Então esse tipo de posicionamento monocrático centralizador dificulta muita segurança jurídica da própria economia dos municípios do próprio cotidiano dos cidadãos que acabam ficando a mercê como eu disse anteriormente de decisões até mesmo monocráticas. Um juiz decidindo uma organização social de um país de mais de 200 milhões de pessoas. Então é algo que principalmente dentro do poder legislativo deve se criar mecanismos para um novo equilíbrio entre os poderes. E aí é fundamental que os três poderes, dentro dessa tentativa de busca pelo equilíbrio, não tente entrar em conflito um contra o outro, o que acaba gerar uma crise institucional muito forte. Por enquanto, isso está longe de acontecer, mas é importante ficarmos sempre atentos a essas disputas políticas dentro dos poderes”.