Resolveu-se instituir o dia 20 de fevereiro como o “Dia de Combate ao Alcoolismo e às Drogas”. Há também um sem-número de datas similares em âmbito municipal e estadual, já faz um bom tempo – e, infelizmente, muito pouca coisa melhorou.
Há um relativo consenso de que, no Brasil, aproximadamente 10% das pessoas que entram em contato com o álcool desenvolvem a dependência (isto é, a doença do alcoolsimo). O uso doentio do álcool produz inúmeras doenças secundárias – e basta conhecer um pouco a realidade de qualquer hospital brasileiro para saber a dramaticidade do custo disso em leitos, oportunidades e vidas (sem falar, é claro, da sobrecarga a pesar nos ombros do SUS e do sistema privado de saúde). E olhe que nem estamos considerando os acidentes de trânsito, os homicídios e os casos de violência contra a mulher. Não é à toa que a ONU, nos anos de chumbo da Covid, a OMS pediu que governos, de algum modo, limitassem o uso da bebida, dado o terror que é viver isolado sob o império da loucura.
Beber álcool é a contratação certa para assumir riscos futuros que, em sobriedade, não se assumiria – e, goste-se ou não, mais dia, menos dia, haverá um acerto de contas entre a doença do alcoolismo e o arrojo para a experimentação de outras drogas. Sim, sempre é possível bradar com a tese de que cada qual tem liberdade para fazer o que bem entender – mas, em um país em que a experimentação do álcool, em média, se dá aos 12 anos de idade, o argumento libertário não parece fazer muito sentido.
O crack também se esparrama, levando violência, sofrimento e horror a quem quer que se aproxime de seu perímetro, geográfico e psicológico. Cada cidade, ou bairro, parece ter a sua cracolândia.
E nem vimos chegar, por aqui, o Fentanil – que, a todos os anos, mata de overdose 50 mil norte-americanos (tão letal quanto um Vietnã). Porém, já vimos chegar as drogas da família K, a chamada “maconha sintética” ou “droga zumbi” – cujo pontencial viciante, segundo se diz, é pior do que o do crack, como se algo pudesse ser pior do que aquilo. Nesse caso, o número é 10: se comparados 2.022 e 2.023, são 10 vezes mais apreensões, e 10 vezes mais casos de overdose. Não, defintiviamente, as coisas não estão melhorando.
Muitos, porém, dos que se dizem pertencer, digamos assim, aos 90% que não têm dificuldades com álcool ou outras drogas, fazem o sinal da cruz e dão graças aos céus porque o problema não é deles nem de seus filhos. O problema sempre é dos outros.
Sim, podemos enteder esse ponto de vista – mas é assim mesmo que começam os grandes dramas. É dali que vem a insistente miséria material, que todos os dias insiste em se mostrar. Demos de ombros para a solidariedade – e, em troca, vemos a multplicação desenfreada do bullying e do cyberbullying, a mutilar e matar tantas e tantas crianças. Nunca houve, entre os mais jovens, tanto sofrimento mental. E por falta de solidaridade, do tipo quem não está nem aí com nada, o planeta está esfarelando.
Sem solidadariedade, cedo ou tarde, algo irá nos atingir – e não poderemos contar com a ajuda de ninguém, porque todos já terão dado de ombros. Sem solidariedade, não há futuro.
O combate não é a essa ou àquela droga, nem a essa ou àquela pessoa – porque o problema de um é o problema de todos. O combate, sobre o qual é preciso refletir social e pessoalmente, é à falta de solidariedade.
Sobre o autor
Paulo Leme Filho, 52 anos, é advogado (USP), com MBA em Gestão da Saúde (FGV-SP). Escreveu o primeiro livro com o pai, Paulo de Abreu Leme, em 2015. “A Doença do Alcoolismo” é um relato corajoso de dependentes conseguiram se recuperar, e decidiram dar sua contribuição para ampliar o debate e chamar a atenção para os perigos desta doença silenciosa, sorrateira, da qual nenhuma família pode se considerar imune. Ao livro seguiu-se outra iniciativa: o Movimento Vale a Pena, voltado para a orientação das famílias e que estimula a busca pela recuperação. Seu livro mais recente é “O Bonequinho”, o quinto do advogado que superou o vício, quebrou o preconceito e rompeu o silêncio para se tornar um ativista de causas sociais.