Eduardo Maurício*
Em muitos países, o uso e a negociação de criptomoedas estão sujeitos a regulamentações específicas, especialmente no que diz respeito à prevenção de lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Empresas e instituições financeiras envolvidas no comércio ou na custódia de criptomoedas devem estar em conformidade com essas regulamentações, estabelecendo políticas e procedimentos de compliance adequados.
Até por isso tem sido recorrente o fato de o compliance das corretoras de criptomoedas, as denominadas exchanges, que disponibilizam a compra e venda de criptoativos, precederem ao bloqueio das wallets (carteiras digitais) e dos recursos financeiros em criptomoedas que existam nas referidas carteiras digitais, o famoso dólar digital (conhecido como USDT), com o objetivo de combater a lavagem de dinheiro e sobretudo o uso ilícito de ativos digitais.
Entretanto, o principal desafio e o da identificação real dos proprietários desses recursos financeiros digitais e, sobretudo, da obtenção de indícios e provas da configuração de atividade ilícita no uso de criptoativos. Ou seja, em muitos casos o bloqueio pode estar violando o direito de pessoas que não possuem qualquer ligação com atividades ilícitas.
Recentemente, de forma histórica, a Tether, empresa sediada em Hong Kong, emissora de criptoativos USDT ERC 20 colocou várias wallets, carteiras digitais que possuem um endereço eletrônico consistente em um código de identificação, na back list, o que culminou em um bloqueio de mais de 20 milhões de dólares digitais (USDT)
Referido bloqueio visa combater o uso ilícito de ativos digitais e também é uma resposta aos Estados Unidos da América no sentido de que o mundo das criptomoedas não é terra sem lei.
Embora o Tether ainda não tenha divulgado as razões especificas da referida lista negra, especula-se sobre se os endereços banidos de fato estavam ou não envolvidos em atividades ilícitas ou violações de sanções, a medida reflete o compromisso público do emissor de impedir o uso criminoso de suas stablecoins. Porém, esse tipo de ação deve ser analisada com cautela, pois, muitas vezes, proprietários de recursos financeiros legítimos podem ser alvo desses bloqueios e terem que provar a origem e licitude dos valores congelados. O que pode levar a enfrentar um difícil caminho de comunicação com um compliance situado em outro país, como é o caso da Tether, em Hong Kong.
Em uma declaração, de 15 de janeiro, desafiando, um relatório da ONU destacando o envolvimento do USDT em atividades ilícitas, a empresa Tether observou que havia tomado várias medidas para tornar a stablecoin uma escolha impraticável para o crime, incluindo o desenvolvimento de uma ferramenta para monitorar os mercados secundários e o congelamento de mais de 300 milhões de dólares nos últimos meses.
O emissor expressou sentimentos semelhantes em uma carta, de dezembro de 2023, endereçada à Câmara dos EUA Comitê de Serviços Financeiros e os Comitê para Assuntos Bancários do Senado norte-americano, enfatizando seus rigorosos procedimentos de compliance, KYC e conformidade regulatória contra o potencial uso ilícito de USDT.
O Tether, atualmente, detém um valor de mercado de US$ 110 bilhões, tornando-o a terceira maior criptomoeda e a maior moeda estável. E também lidera, por diversas vezes, volumes de negociações diárias, conforme dados da CoinMarketCap.
Em 12 de março de 2024, Tether anunciou oficialmente que auxiliou o Departamento de Justice (DOJ) e o Federal Bureau of Investigation (FBI) a bloquearem e recuperarem cerca de 1,4 milhão de USDT de uma rede fraudulenta de suporte técnico.
Em abril, o Tether foi examinado pelo Departamento do Tesouro dos EUA e foram levantadas preocupações sobre o potencial uso indevido de criptomoedas, particularmente stablecoins como Tether, para contornar sanções internacionais. O Tesouro destacou o risco de stablecoins permitirem atividades ilícitas, incluindo os de intervenientes estatais como a Rússia.
Importante destacar que ações contínuas para congelar endereços vinculados a phishing e dinheiro de atividades de lavagem de dinheiro pode ser uma postura proativa para evitar mais regulamentações mal-feitas e possíveis ações governamentais fora de rumo.
Entretanto, todo esse cenário também deve ser analisado do ponto de vista crítico, pois muitas vezes os proprietário das wallets são alvos de bloqueio inesperados de fundos após realizarem transações de USDT, causado por supostos bugs nas carteiras digitais e pela impossibilidade de movimentar os fundos, sem aviso ou explicação por parte tanto da corretora, e por parte da própria emissora da moeda digital, como ocorreu na Thether, que congelou criptoativos de carteiras suspeitas.
Fato é que a dificuldade e falta de comunicação por parte de corretoras de criptomoedas em caso de bloqueios viola os chamados “termos de serviço” do contrato. Isso porque o bloqueio dos fundos sem aviso prévio ou justificativa é uma violação da boa-fé nas transações comerciais, principalmente pela falta de transparência sobre o objetivo real dos bloqueios de recursos. Vale destacar que, em muitos casos, como por exemplo na Trust Wallet, o usuário ao se cadastrar para começar a utilizar a plataforma digital, para depositar ou transferir/receber criptoativos, sequer precisa fazer prova e vincular seus dados pessoais, o que demonstra uma contradição quanto à política de combate à lavagem de dinheiro e uso ilícito de criptoativos. Demonstra uma falta de interesse na segurança do negócio e um facilitador ao uso ilícito de criptomoedas. E reforça, assim, a tese de que os bloqueios aleatórios de carteiras digitais sãos abusivos e ilegais, já que vão contra o próprio funcionamento interno e políticas de compliance mal estruturadas.
*Eduardo Maurício é advogado no Brasil, em Portugal, na Hungria e na Espanha. Doutorando em Direito – Estado de Derecho y Governanza Global (Justiça, sistema penal y criminologia), pela Universidad D Salamanca – Espanha. Mestre em direito – ciências jurídico criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela Católica – Faculdade de Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas. Pós-graduado em Direito penal econômico europeu; em Direito das Contraordenações e; em Direito Penal e Compliance, todas pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia. Pós-graduando pela EBRADI em Direito Penal e Processo Penal. Pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil –em formação para intermediários de futebol. Mentor em Habeas Corpus. Presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim).
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CAIO FERREIRA PRATES
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