Claudia de Lucca Mano*
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou, recentemente, que realizará uma Consulta Pública para inclusão de diversas monografias na Farmacopeia Brasileira, compêndio oficial que contém os padrões de qualidade, composição, descrição, testes e propriedades dos medicamentos e substâncias utilizados na prática médica e farmacêutica. Ela serve como referência para a produção, controle de qualidade e regulamentação de medicamentos.
A inflorescência (flor) de Cannabis está na lista de plantas medicinais propostas pela agência. Além da cannabis, outros insumos vegetais também foram incluídos na consulta pública, como os fitoterápicos anis-estrelado, canela-da-china, capim, endro, estévia, gengibre, romã e valeriana.
Vale lembrar que, sem setembro passado, a Agência baniu definitivamente a importação de flores de cannabis in natura ou partes da planta no país. Pacientes com indicação médica para uso vaporizado da planta, vinham realizando importação direta por pessoa física (via excepcional regulamentada pela RDC 660 da Agência). As importações vinham sendo realizadas com chancela da Anvisa.
A decisão de proibição foi anunciada em julho de 2023, e segundo a Agência foi tomada com base em uma série de fatores, como a falta de evidências científicas sobre a segurança e eficácia das flores de cannabis para uso medicinal, o risco de desvio para fins ilegais e a necessidade de proteger a saúde pública. Ou seja, a flor de cannabis não é reconhecida como medicamento no Brasil, pois, na visão da Agência, não há evidências científicas suficientes para comprovar sua segurança e eficácia para uso medicinal.
A proposta da monografia da inflorescência de cannabis significa mais um passo importante para o reconhecimento das propriedades medicinais da planta e sua aplicação na saúde brasileira, ao estabelecer padrões de qualidade para a substância, garantindo a segurança e eficácia dos insumos e produtos farmacêuticos derivados. As informações descritas em uma farmacopeia oferecem condições para que universidades e indústrias possam ter um padrão analítico e farmacológico dos produtos, que deverão ser seguidos em todo país. O controle de qualidade, hoje realizado com parâmetros estabelecidos pelos fabricantes das matérias primas, poderá ser padronizado, orientando a cadeia produtiva sobre o padrão mínimo exigido para que o produto possa ser utilizado como medicamento.
Com a inclusão na farmacopeia, um novo cenário regulatório pode surgir, abrindo caminho para que a planta de cannabis, ainda proibida pela P 344/98 da Anvisa, seja finalmente entendida como um planta medicinal, como tantas outras, seja a planta in natura, suas partes ou rasuras.
A Consulta Pública é uma ótima oportunidade para profissionais, especialistas e interessados na regulamentação e no avanço da cannabis medicinal no Brasil enviarem suas contribuições e, assim, ampliar o debate sobre a importância e necessidade da sua inclusão na saúde do país.
Infelizmente, o debate em torno da cannabis medicinal não tem sido pautado apenas por critérios técnicos e científicos, mas colorido por preconceitos e premissas falsas. Sob o manto de ausência de evidências de eficácia e segurança, o uso medicinal da planta não avança, em grande parte por opção regulatória da Anvisa.
*Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios, fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann.