Mais rastreabilidade e a possibilidade de reverter as operações. Na opinião do professor e advogado especializado em Direito Bancário e Meio de Pagamentos, Marcelo Godke, a tecnologia apresentada para o Drex, versão digital do real apresentada pelo Banco Central e em fase de testes, permite deixar um rastro em cada local que a moeda circular.
“Cada lugar que passar a moeda a gente vai saber o que acontece, então, a depender do algorítimo e da programação que for feita na moeda, poderá ser mais fácil recuperar um dinheiro que, eventualmente, teria sido enviado de maneira equivocada, de maneira errada ou até mesmo desviado de uma eventual conta”, explica.
De acordo com o especialista, com a autotutela — possibilidade de controlar os próprios atos — as pessoas dependeriam menos do poder judiciário pra tentar reverter uma operação fraudulenta. “Existem poucas possibilidades de autotutela, em tese eu teria que recorrer sempre ao poder judiciário pra praticamente tudo. E a gente sabe que isso é muito difícil, mas se existe uma moeda em que eu possa reverter a transação feita, então essa autotutela ela é mais facilitada — e eu dependeria menos do poder judiciário”, avalia.
Para Rafael Guazelli, advogado especialista em direito tributário, a ideia da utilização dessa moeda digital é simplificar as operações. “Numa negociação, por exemplo, de um veículo, as operações para o pagamento ocorreriam de forma simultânea e a partir do pagamento. Já seria feita a transferência automática da propriedade do veículo enquanto que, atualmente, você primeiro transfere o bem e depois paga. Ou de forma contrária, enquanto que através do Drex, isso seria possível fazer de forma simultânea”, acredita.
Segundo o especialista, a facilidade nas transações pode garantir mais segurança. “O Drex está respaldado no Banco Central o que dá maior confiabilidade e segurança nas transações, mas não só isso. A grande vantagem é que vai permitir que os pagamentos ocorram de forma imediata, direta, sem a presença de intermediários. Isso vai agilizar o processo de pagamento”.
Ele acrescenta que o Drex funcionará também na sistemática do blockchain — uma espécie de banco de dados —, assim como as criptomoedas, mas com funções diferentes que permitem mais segurança. “Há vários sistemas criptografados que dificultam o acesso às informações dos envolvidos nas transações. Com isso, é possível dizer que nós teremos uma segurança maior na utilização do Drex do que na utilização do dinheiro em espécie ou da transação bancária”, ressalta.
Vantagens
Guazelli ainda vê a possibilidade das empresas criarem novos modelos de negócios implantando plataformas que podem facilitar as transações de compra e venda de forma automática. “Temos também a questão da gestão financeira, porque essa moeda digital ela pode ser utilizada para gerenciar e coordenar um fluxo de caixa de forma concentrada evitando que tenha que se lidar com várias contas bancárias”, reforça.
O economista do Banco Central, Fabio Araújo, coordenador da iniciativa, disse em uma live semanal da instituição, que o real digital foi criado para facilitar o acesso aos serviços financeiros e com maior segurança.
“Quando você tem um valor registrado e acessível de maneira simples e confiável, você abaixa o custo e você democratiza o acesso aos serviços financeiros. Hoje as pessoas fazem o pagamento com facilidade utilizando o PIX. E a gente quer que com o real digital as pessoas possam fazer um empréstimo com mais facilidade — ou ter uma opção de investimento mais acessível, um seguro mais fácil. A gente quer trazer esses produtos financeiros pra mão das pessoas”, informa.
Segurança e cautela
O professor e advogado especializado em Direito Bancário e Meio de Pagamentos Marcelo Godke diz que a possibilidade de reverter operações com mais facilidade também pode ser um problema.
“Isso não pode acontecer o tempo todo porque isso gera uma instabilidade muito grande nas transações comerciais. Então se eu pago hoje e amanhã eu quero o dinheiro de volta e simplesmente vou lá e aperto um botão isso também vai gerar um efeito muito ruim para a economia”. Para ele, são necessários mais detalhes sobre o funcionamento do sistema.
“A gente precisa entender exatamente o que é que vai poder se fazer por meio desse algoritmo e desse sistema, que na verdade é tudo software. Saber quais os limites e o que é que vai poder se fazer ou não. Mas ao que parece, isso não foi anunciado ainda”, destaca.
O advogado alerta que o fato de as operações serem registradas pode ser muito bom para o Estado controlar as atividades ilícitas, controlar as atividades voltadas para lavagem de dinheiro, cobrança de tributos. Mas alerta que também pode aumentar a dependência com relação ao Estado
“Se tivermos uma alteração de regime político no Brasil — e deixarmos de ser uma democracia —, o Estado vai poder utilizar essa moeda virtual para controlar a vida do dia a dia das pessoas. Desde que o Estado garanta a liberdade para eu usar o dinheiro como eu quiser, isso não vai ter problemas, mas isso vai depender de uma manutenção do estado democrático de direito no Brasil”, observa.
Riscos
O especialista acredita que existem outros fatores que devem ser levados em consideração em relação ao uso da nova moeda digital. Para ele, mesmo o Banco Central dizendo que a moeda terá o mesmo valor que o real, o mercado pode tratar isso de forma diferente.
“Oficialmente é uma paridade de 1 pra 1, mas se houver uma busca muito grande por essa moeda ela pode se tornar mais cara do que a moeda física”. O professor ainda ressalta: “Existe uma teoria na economia, um conceito, que fala que a moeda ruim afasta a moeda boa. Então a gente precisa entender o que vai ser considerado moeda ruim e o que vai ser considerado moeda boa — e o tempo vai dizer”, salienta.
Ainda em fase de testes, o real digital deve estar disponível para a população só no fim de 2024. O Banco Central já habilitou 16 consórcios para desenvolverem ferramentas e instrumentos financeiros que serão testados no novo sistema. Previstos para começarem em setembro, os consórcios testarão a segurança e a agilidade entre o real digital e os depósitos tokenizados (ativos reais convertidos em digitais) das instituições financeiras.
De acordo com a instituição financeira, o conceito visual do Drex se encaixa no contexto da agenda de modernização tocada pelo Banco Central — e que tem como premissa a utilização de tipografia e elementos gráficos que remetem ao universo digital.