João Alfredo Lopes Nyegray*
Há quem diga que a melhor defesa é o ataque. Após mais de dois anos de guerra entre Rússia e Ucrânia, já presenciamos várias tentativas ucranianas de adentrar as fronteiras russas. Inicialmente, esses ataques eram vistos como missões suicidas — ações que se esperava fracassar — mas que poderiam, ao menos temporariamente, desviar a atenção e os esforços dos exércitos de Moscou para um lado específico do front. Eram ataques de pequena proporção e curta duração.
Na semana passada, no entanto, ocorreu a mais ousada incursão ucraniana em solo russo desde o início da guerra, atacando o oblast de Kursk. Um oblast é uma das subdivisões administrativas da Federação Russa, semelhante a uma província ou estado em outros países. Esses territórios possuem certo grau de autonomia, mas são administrados diretamente pelo governo central em Moscou. A Rússia é composta por 85 dessas entidades federativas, que incluem oblasts, repúblicas, krais e cidades federais.
O oblast de Kursk está localizado no oeste da Rússia, na fronteira com a Ucrânia, e faz parte do distrito federal central do país. A capital do oblast é a cidade de Kursk, que também é a maior cidade da região. A área é caracterizada por terrenos planos e férteis, com um clima temperado continental, que é favorável à agricultura. Com aproximadamente 1,1 milhão de habitantes, a região possui uma densidade populacional relativamente baixa quando comparada a outras partes da Rússia.
Na terça-feira, 6 de agosto, iniciou-se uma ofensiva ucraniana na região, que varreu partes do oblast de Kursk. A decisão da Ucrânia de invadir essa área pode ser vista como uma tentativa de transferir o conflito para o território russo, desestabilizando a linha de defesa do país e aumentando a pressão sobre o Kremlin. Um dos objetivos de Kiev pode ser forçar a Rússia a redistribuir tropas e recursos que estavam focados nas frentes internas da Ucrânia, aliviando a pressão sobre áreas estratégicas como Donetsk e Luhansk.
Além disso, o forte ataque ucraniano está obrigando a Rússia a lutar em múltiplos fronts simultaneamente, o que pode esgotar ainda mais os recursos militares russos. Mais do que isso, a Ucrânia está demonstrando à comunidade internacional sua capacidade não apenas de resistir, mas também de contra-atacar, fortalecendo sua posição em futuras negociações de paz.
A resposta russa não tardou: o país, agora sob ataque, não apenas está retirando a população do oblast de Kursk, como também intensificou seus ataques a alvos civis na Ucrânia. Desde o início da incursão de Kiev, supermercados, prédios residenciais e até mesmo escolas foram alvejadas pela artilharia russa.
Com a Ucrânia invadindo o território russo, as negociações de paz podem se tornar mais complexas. A Rússia pode endurecer sua posição, exigindo a retirada completa das forças ucranianas como pré-condição para qualquer diálogo, enquanto a Ucrânia pode utilizar sua posição fortalecida no campo de batalha para buscar condições mais favoráveis.
Segundo teorias de guerra e conflito, a decisão de transpor uma fronteira e invadir o território de um estado soberano, como a Ucrânia fez em Kursk, pode ser interpretada sob a lógica da “escalada controlada”. Clausewitz, em sua teoria da guerra, argumenta que a guerra é uma extensão da política por outros meios; esse movimento pode ser entendido como uma tentativa ucraniana de criar novas realidades políticas no terreno, que obriguem a Rússia a negociar. A “teoria dos jogos” também pode ser aplicada, sugerindo que a Ucrânia está aumentando a aposta na esperança de forçar a Rússia a reconsiderar suas ações e buscar um acordo antes que a situação se agrave para ambos os lados.
*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray
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MAIRA BECKER DE OLIVEIRA RAMOS
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