Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, costuma-se dizer que as relações internacionais passaram a construir uma ordem baseada em princípios do Direito Internacional. A partir dos processos de cooperação entre os países, criaram-se regras, normas e procedimentos que moldaram o comportamento do sistema internacional. Com isso, países que estivessem atuando fora desse conjunto normativo estariam à margem do sistema internacional, tornando-se párias ou até mesmo, sendo vistos como ameaças. No entanto, a aplicação dessas normas é frequentemente inconsistente, dependendo dos interesses e alianças políticas das grandes potências.
Essa perspectiva influencia a agenda das relações internacionais há pelo menos 80 anos. Em graus maiores ou menores de efetividade, foram assinados acordos, tratados ou criadas organizações para celebrar esse mundo marcado pelo multilateralismo regrado. A partir da consolidação desse cenário, houve avanços em diversas agendas, como, por exemplo, os direitos humanos. Além disso, o sistema internacional baseado em uma ordem regrada é o que se costuma utilizar para diferenciar os países que compõem o mundo liberal institucional dos países autoritários. Em outras palavras, essa distinção tem sido usada para definir quem é bom e quem é mau no mundo, uma dicotomia que não permitiria outros tons de cores entre o branco e o preto. Atualmente, alguns conflitos demonstram como essa diferenciação possui outras tonalidades. Estamos falando da guerra na Ucrânia e do conflito entre Israel e o Hamas.
Na guerra no continente europeu, rapidamente as posições se consolidaram: a Rússia iniciou uma guerra ilegal, ocupou o território ucraniano e busca anexá-lo ao seu território. Por conta da morte de milhares de civis e da destruição causada, que quase inviabiliza a vida da população ucraniana, a Rússia passou a sofrer sanções econômicas, a Ucrânia recebe ajuda financeira e militar do mundo liberal institucional. O presidente russo, Vladimir Putin, passou a ser um criminoso internacional com mandado de prisão em aberto pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), ação que foi celebrada pelos Estados Unidos e por alguns aliados ocidentais.
Já no conflito no Oriente Médio, Israel foi vítima de um ataque perpetrado pelo grupo terrorista Hamas, onde civis israelenses foram assassinados e outros foram sequestrados. Israel reagiu ao ataque, ocupando o território da Faixa de Gaza e, com a justificativa de eliminar o Hamas, passou a cometer atrocidades contra civis palestinos, assassinando crianças, bombardeando campos de refugiados, controlando a entrada de ajuda humanitária e deslocando a população de Gaza em massa, além de destruir a já precária infraestrutura do local. Sem contar o bombardeio à embaixada do Irã na Síria, onde o contra-ataque iraniano foi condenado internacionalmente. Com este cenário, a África do Sul entrou com uma denúncia de crimes contra a humanidade contra Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, nos tribunais internacionais que cuidam desse tema. Recentemente, o promotor do TPI acatou a denúncia e solicitou a expedição de um mandado de prisão contra Netanyahu, gerando uma crítica do governo dos Estados Unidos e de alguns aliados ocidentais contra o tribunal.
Apesar de esses dois casos possuírem semelhanças, na guerra ucraniana, foram instituídas sanções, além do pedido de prisão de Putin e, em ambos os casos, foi celebrado pelo mundo ocidental. No caso israelense, as tentativas de contenção e de condenação são tímidas ou rechaçadas, principalmente pelos Estados Unidos, criando dois padrões distintos de comportamento. São dois casos bem ilustrativos de como o jogo internacional sempre foi moldado por interesses, alianças, discursos e até por atos, onde a expressão máxima foi o embaixador de Israel na ONU, triturando a Carta das Nações Unidas no plenário da organização. Logo, a depender de quem for o agressor, pode-se impor os rigores previstos nessa ordem internacional regrada ou se relativizar. Pau que bate em Chico não bate em Francisco.
Não obstante, ficou evidente como a ordem internacional vem passando por uma transformação, nas últimas décadas, onde os regimes e organizações internacionais possuem cada vez menos influência ou possuem serventia apenas quando atendem aos interesses do das potências ocidentais. Nesse caso, o desrespeito aos direitos humanos, às regras da guerra, aos regimes e organizações internacionais e até mesmo à democracia são tolerados. É como Rufin bem lembrou em seu livro “O Império e os Novos Bárbaros”: tudo aquilo que não é império é barbárie.
* Guilherme Frizzera é Doutor em Relações Internacionais e coordenador do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Internacional Uninter
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VALQUIRIA CRISTINA DA SILVA
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