A poeta paraibana Marília Valengo (1981), que atualmente reside em Nova Iorque, vem ao Brasil para lançar o livro Toda Família Tem Uma dia 19 de março, terça-feira, a partir das 19h, na Janela Livraria, localizada no Jardim Botânico (Rio de Janeiro). A obra, publicada pela editora 7Letras, tem orelha assinada por Paloma Vidal.
O livro é composto por 20 poemas criados em um momento fundamental de reflexão vivido pela autora, que durante meses experimentou processos de um tratamento para gravidez, tendo que lidar com as questões práticas relacionadas aos exames médicos, a lida de outras mulheres em relação ao tratamento, restrições de várias naturezas – desde alimentares até à libido -, e também a um grande exercício de esperança e entrega que, como explica Marília, parecia afunilar seu mundo, fazendo com que seus pensamentos e os assuntos que a cercavam se restringissem a esse período da vida.
Segundo Marília, o processo lhe fez entender que não queria ser mãe daquela forma, o que fez com que compreendesse a maternidade do ponto de vista político e econômico. “Por que eu quero tanto produzir vida? Será que estou associando que eu, enquanto sujeito mulher, só teria valor se fosse mãe?”, reflete a autora.
Toda Família Tem Uma ajudou Marília a desenhar a possibilidade de uma outra vida, da mulher que é agora. Segundo ela, o que mais a moveu na escrita dos poemas foi um certo espanto diante do desejo. “Digo espanto porque eu me sentia um alien dentro de uma travessia em que todas as outras mulheres, e homens, pareciam estar cegas de vontade, de entrega, sem racionalizar nada. Sem considerar o investimento financeiro, por exemplo”, conta, reforçando que, durante o processo, conheceu pessoas que haviam vendido suas casas para lidar com os custos do tratamento. A obra foi concluída quando Marília percebeu que parte dos textos que compunha, naquele momento, apresentavam uma temática comum.
Era como se os corpos naquele tipo de tratamento fossem corpos pela metade, incapazes de fazer o que foram criados para fazer. Tinha muito choro, muita culpa e inveja das outras mulheres ao meu redor que conseguiam, as amigas que engravidavam, os sobrinhos que apareciam. A vida foi virando uma coisa cinza, ilógica, e eu entendi que não dava mais. Fui parando com tudo devagar até que decidi que não ia mais fazer tratamento.
Segundo a autora, algo que também a inundou foi a solidão e o enorme tabu em volta do tratamento. Os julgamentos também vieram – internamente e externamente -, para questionar se ela não havia demorado para iniciar o processo. “Eu sempre pensava que era engraçado que um movimento geralmente feito em família, para o ideal de uma família, fosse tão violento justo para o casal”, complementa.
Orelha do livro, por Paloma Vidal
O poema nasce para perguntar, neste livro de Marília Valengo. E essa poesia da pergunta vai aonde é tão difícil, às vezes impossível, chegar – a um desassossego, uma falta, um desconforto intensos. Persistente e irônica, à beira da melancolia, fazendo que vai desistir, mas não, quem escreve estes poemas elude respostas já gastas para como devemos ser, como nos devemos portar, como deve uma vida ser vivida, sendo ela tão aberta a tantos devires, tão sinuosa e imprevisível… O poema que pergunta resiste a dizer o que é pouco, o que é muito, o que se deve ter ou não, o que é o amor, o que é criar, o que é cuidar. Se uma mulher ainda pode ser vista (ou até se ver) como um monstro por não ser mãe, a poesia é o que descola desse olhar – uma janela que se abre para uma outra perspectiva, afastada do que parece tão óbvio e familiar, como uma criança olhando, da janela de um carro em movimento, o mundo a se tornar fascinante e estranho: “o que a paisagem poderá dizer?” Em Toda família tem uma, plantas, bichos, pessoas, objetos vão costurando, a muitas mãos, uma poesia para tempos de incerteza e medo – o binóculo que, quando menos se espera, faz ver além.
Sobre a autora
Marília Valengo (João Pessoa – PB, 1981) é Bacharel em Publicidade e Propaganda e Especialista em Escrita Criativa. Costuma dizer que tem um pé no Cariri e outro no mar e anda com os dois pelas ruas de NY, onde vive. É autora de Grito em praça vazia (poesia), publicado pela 7Letras em 2020. Toda família tem uma é seu segundo livro.
Três poemas do livro:
Toda família tem uma
Eu, pequena
ouvia minha mãe falar da prima
que não teve filhos
curiosa e despeitada
como se minha existência estivesse ameaçada
olhava para ela nas festas de família
e pensava
coitada da prima sem filhos
eu, adolescente
admirava demais a prima
que não tinha filhos
que viajava pela Índia e raspava a cabeça
a despeito do que todos tinham a dizer sobre ela
a prima sem filhos
nada acrescentava
pois era, sobretudo
livre
eu, adulta
por um segundo tive medo
de ser a prima sem filhos
um segundo que durou o tempo de alguns poemas.
O que ela é
Se meu coração e meus olhos
se meus sentidos pudessem
me guiar
o facão cortaria o mato
alto
minhas botas pesadas
amaciariam a cama
de espinho
abririam caminho
eu veria
a folha engrandecida
rumo ao sol
eu ouviria
os bichos
avisando da minha chegada
eu me lambuzaria
de pólen e frutas selvagens
eu, selvageria entre elas
minhas mãos abertas
para cima
tocaria o ar e outras mãos
outras mãos apareceriam.
Praça de alimentação
Se Stevie Wonder
não estivesse tocando
talvez eu conseguisse
pensar
nas palavras que preciso
para o poema
mas no momento
do meu corpo
a única parte ativa
são meus ombros
e ombros
diferente dos quadris
não escrevem poesia.
Serviço
Lançamento de Toda família tem uma
Data: Dia 19 de março, terça-feira, 19h
Local: Janela Livraria (R. Maria Angélica, 171 – loja B – Jardim Botânico, Rio de Janeiro – RJ, 22470-202)
Ficha técnica
Editora: 7Letras
Preço: R$54
Número de páginas: 96
Ano: 2023
Formato: 14x21cm
Edição: 1ª edição
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