Uma estruturação eficiente dos processos fiscais e tributários de uma empresa, sobretudo quando consideramos o quão obtuso e oneroso é o nosso sistema de impostos, é uma base indispensável para o crescimento de um negócio, haja vista que uma cultura de compliance fiscal serve não apenas para mitigar riscos de incongruências perante órgãos fiscalizatórios, mas também para identificar eventuais oportunidades econômicas e financeiras.
No cenário brasileiro – que tem ainda como uma de suas características desafiadoras a excessiva velocidade das mudanças fiscais e que passará por uma transição também nos próximos anos a partir dos ritos da Reforma Tributária –, essa estruturação deve sempre levar em conta, dentre outros, a recuperação de créditos tributários enquanto uma estratégia que, além de amenizar a pressão fiscal sobre os contribuintes, abre espaço para que eles reivindiquem recursos financeiros relevantes.
Os diferentes contextos da recuperação tributária
Como é sabido, os créditos tributários, em sua essência, são valores que um contribuinte – seja ele pessoa física ou jurídica – tem o direito de reaver em seu favor e que podem ser decorrentes de: pagamento de tributos a maior ou de forma indevida; créditos não descontados na apuração de tributos não cumulativos; incentivos fiscais não fruídos, classificações fiscais incorretas, dentre outros.
Ainda que esse seja um dos contextos mais comuns – de acordo com dados levantados pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), 95% das empresas pagam impostos indevidamente – há outras tantas possibilidades para a recuperação de créditos que, muitas vezes, passam despercebidas quando empresas não contam com o devido olhar de especialistas em legislação tributária.
Nesse sentido, impostos colhidos equivocadamente, compensação de prejuízos fiscais, saldos negativos de IRPJ (Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), pagamentos em excesso devidos a cálculos incorretos e retenções na fonte não compensadas: todas são inconsistências provocadas por essa falta de clareza fiscal. É válido ressaltar que esses créditos, em sua grande parte, decorrem de tributos estaduais e federais.
Um exemplo elucidativo envolve a recuperação de créditos tributários referentes à exclusão do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) da base de cálculo do PIS e COFINS, que bem ficou conhecida como a “Tese do Século”. A partir dela, diversas empresas puderam solicitar a recuperação de créditos tributários nos últimos anos. Em decisão recente, aliás, uma corporação do setor varejista teve R$ 1,3 bilhão em créditos recuperados após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Legislação
Quanto à legislação, em nível infra constitucional, todos os conceitos que se relacionam à tributação – incluindo o de créditos tributários – estão disciplinados a partir da lei nº 5172, de 25 de outubro de 1966, que constitui o Código Tributário Nacional (CTN) e, assim, “dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios”.
Acerca especificamente da matéria do crédito tributário, esta está presente no Código Tributário Nacional em seus artigos 139 e 141, os quais definem, respectivamente, que “o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta” e “o crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias”.
Além disso, o artigo 165 do CTN prevê que:
“O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”
Por mais que a legislação tributária brasileira assegure o direito à recuperação de créditos tributários, o exercício desse direito não necessariamente representa uma tarefa simples – visto que demanda, por parte das empresas, uma atenção em relação aos procedimentos e um emaranhado de normas definidas pelos entes fiscalizadores, muitas vezes conflitantes.
Nesse contexto, é muito comum que pedidos de recuperações de créditos tributários recorram a procedimentos administrativos junto aos órgãos fiscalizadores (restituições, ressarcimentos ou compensações) e a teses tributárias, de modo a contestar cobranças realizadas de forma indevida.
Pontos importantes
É válido frisar que não há uma lista definitiva de temas e tributos passíveis de recuperação – visto que, esse direito é concedido em situações de pagamento de valores indevidos ou a maior e em outros contextos conforme supracitado. Por outro lado, existem debates importantes no universo tributário que dão respaldo às empresas que buscam pela recuperação de créditos.
No sentido favorável aos contribuintes, uma recente tese consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça defende o reconhecimento da dedução das despesas relativas aos Juros sobre Capital Próprio (JCP) retroativos (ou acumulados) da base de cálculo da CSLL e do IRPJ. Melhor explicando, o JCP representa uma forma de remuneração aos sócios e que não encontra limitação temporal para seu pagamento ou crédito, podendo, de tal forma, ser dedutível do lucro real, gerando uma importante economia tributária ao contribuinte.
Ainda, há outros diversos temas já consolidados de forma favorável aos contribuintes, aqui podemos citar alguns exemplos, tais como: ilegalidade na incidência de IRPJ e CSLL sobre a SELIC, em casos de repetição do indébito; possiblidade de créditos de PIS e COFINS sobre gastos com vales-transportes de funcionários alocados no setor produtivo; exclusão do ICMS-ST das bases de cálculo do PIS e COFINS, não incidência de IRPJ e CSLL sobre incentivos fiscais de ICMS, etc.
Esferas administrativa x judicial
Conforme a legislação, estão previstas ainda duas formas de se solicitar a revisão e recuperação de crédito tributário por parte do contribuinte: a administrativa e a judicial.
A primeira representa uma relação jurídica bilateral (contribuinte e Fisco), em um processo ou procedimento, requerido pela empresa/ contribuinte, normalmente com fruição através de compensação, restituição ou ressarcimentos em conta corrente. Via de regra, trata-se de uma forma mais prática e ágil de se resolver divergências tributárias, sendo movida a partir de sistemas disponibilizadas pelo próprio Fisco – de modo, assim, a enfrentar menos burocracia.
A via judicial, por sua vez, pode representar um caminho um pouco mais longo para que o contribuinte seja exitoso em seu processo de recuperação de créditos tributários. Isso porque, nesse caso, cria-se uma ação judicial em face do Fisco, visando questionar a ilegalidade / inconstitucionalidade de determinadas cobranças indevidas, que, ao final do processo, se tornarão créditos tributários em favor do contribuinte.
Independentemente da via escolhida, é fundamental que a empresa faça uma revisão de créditos tributários e atualize seu planejamento, visando otimizar e racionalizar o setor tributário e fiscal de sua empresa.
Um caminho para o crescimento no país do “carnaval tributário”
Como se observa, a recuperação tributária é uma estratégia assegurada por lei, mas que, para tanto, demanda um suporte especializado e amplo entendimento acerca da legislação tributária e procedimentos fiscais.
Sendo feita com a devida orientação, essa estratégia representa uma oportunidade que não deve ser deixada de lado pelas empresas, principalmente em se tratando de um país reconhecido por sua complexidade fiscal – e no qual, há décadas, as empresas buscam caminhos para crescer com segurança em meio ao nosso “carnaval tributário”.
*Ralf França é Sócio Especialista em Planejamento Tributário no Ferreira & Vuono Advogados. Pós-Graduado em Direito Tributário, possui mais de 14 anos de carreira, lidando diretamente com temas como Regimes Tributários, Proteção Patrimonial, Sucessório, Holdings, dentre outros.