Por Fernanda Acácio*
A inteligência artificial (IA) generativa tem sido tema universal entre os líderes de negócios de diferentes setores. O relatório “Emerging Technologies and Trends Impact Radar”, da consultoria Gartner, indica que, até 2025, a IA generativa deve produzir 10% de todos os dados na internet e 20% dos dados de teste para aplicativos voltados ao consumidor.
Na indústria da publicidade, essa tecnologia também está emergindo de forma crescente, transformando a maneira como os anunciantes se conectam com seu público. Neste setor, os sistemas generativos podem ser utilizados para criar anúncios personalizados, sugerir designs, idealizar conteúdo interativo e até sintetizar a imagem e voz de personalidades.
Quando utilizada de forma inteligente e responsável, a IA pode trazer uma série de benefícios, aumentando a eficiência em relação ao tempo e custos, escalabilidade, personalização e criatividade, ajudando a criar conteúdos para encantar os consumidores. Contudo, se por um lado essa alternativa alavanca inúmeras possibilidades, por outro, sua capacidade de distorcer a realidade também aciona alertas sobre ética, direitos autorais e responsabilidade com o consumidor.
Sob o viés da operacionalidade das ferramentas disponíveis no mercado, o que acontece é que as IAs generativas são treinadas em grandes conjuntos de dados que podem conter conteúdos criados por outros profissionais, sem dar crédito ao autor original. Com isso, há o risco de que o algoritmo utilize conteúdo protegido sem que os proprietários saibam.
Nos Estados Unidos e na Europa surgiram casos de artistas processando plataformas de IA por usarem seus trabalhos sem autorização no treinamento das ferramentas. No Brasil, um comercial que apresentou um dueto entre a cantora Elis Regina e sua filha, Maria Rita, utilizando a IA generativa como ferramenta criativa, inflamou o debate sobre os limites dessa tecnologia.
Por essas questões, podemos esperar que esse assunto esteja no alvo de legisladores e autoridades regulatórias em todo o mundo. Na União Europeia está em tramitação o projeto intitulado “Artificial Intelligence Act” (AI Act), desde abril de 2021. Segundo a proposta, quanto maior o risco apresentado por determinada aplicação de IA, maiores serão as obrigações impostas às empresas envolvidas no ciclo de vida desses sistemas.
Nos Estados Unidos, em sua auditoria da cadeia de suprimentos programática, a ANA (Association of National Advertising Managers) constatou que 21% das impressões de anúncios foram parar em sites “made for advertising” (MFA) – criados em “fazendas” de conteúdo projetadas para desviar gastos com anúncios, geralmente alimentadas por mão de obra mal remunerada – desperdiçando impressionantes US$ 13 bilhões por ano. Com a proliferação de plataformas de IA generativas, essa produção pode ser ainda maior: centenas de sites gerados por IA já foram detectados, e muitos outros estão a caminho.
No Brasil, sistemas de inteligência artificial também devem ser regulamentados em breve. Em outubro deste ano, integrantes do Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional defenderam que uma eventual legislação sobre IA leve em conta o impacto das tecnologias no trabalho. Hoje, no País, o controle da publicidade é exercido de maneira mista, pelo Estado e pela Autorregulamentação Publicitária, representada pelo CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) – dessa forma, alguns princípios e direcionamentos devem ser avaliados em conjunto para esse fim.
A ausência de diligência ética para a adoção de IA generativa preocupa no setor de publicidade, pois pode acarretar riscos reputacionais, regulatórios e legais às marcas. Além disso, a criação desenfreada de sites por meio de IA pode trazer problemas para as duas extremidades da cadeia: os anunciantes terão mais gastos em impressões desperdiçadas e os publishers (especialmente sites e portais de notícias) verão seu inventário desvalorizado por um alto volume de conteúdo de baixa qualidade – prejudicando, em última instância, a confiança do público nas marcas.
Assim, é importante reconhecer que essa ferramenta disruptiva também apresenta desafios e preocupações, e reconhecer que, à medida que as fronteiras da IA generativa são exploradas, é crucial estar atento aos efeitos dessa revolução no setor publicitário. É importante observar que, ao mesmo tempo em que as discussões sobre inovação, criatividade, ética, privacidade e regulamentação crescem ao redor dessa tecnologia, ela avança e se aprimora, se tornando um recurso indispensável para o setor.
Para os próximos anos, o equilíbrio entre a inovação, criatividade e proteção reputacional será o grande desafio e também deve guiar as estratégias publicitárias. Ao compreenderem os impactos da IA em suas campanhas, as marcas têm a oportunidade de se posicionar e oferecer experiências relevantes e autênticas aos consumidores. Será necessário um compromisso entre todos os agentes do setor para trazer mais transparência ao setor de publicidade, definindo regras e limites para o futuro da criação embasada por tecnologia.
*Fernanda Acácio é CEO da plataforma global de publicidade MGID no Brasil.