Em qualquer lugar do mundo, cenários de crises deflagram desafios e abrem promissoras janelas de oportunidade. No Brasil, não seria diferente. A hecatombe provocada por uma gigante varejista, acusada de fraude contábil e de gestão com prejuízos notórios aos seus acionistas, pode ser um exemplo disso. Em junho, o Poder Executivo apresentou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.925/23, com o objetivo de elevar os padrões de governança corporativa e conferir maior segurança jurídica para os investidores nacionais e estrangeiros no mercado de capitais brasileiro.
As alterações propostas visam, basicamente, expandir o sistema de tutela coletiva no direito societário; ampliar a publicidade em processos arbitrais; reequilibrar incentivos econômicos e riscos para as partes em processos judiciais ou arbitrais; limitar a exoneração de responsabilidade de diretores estatutários, conselheiros de administração e conselheiros fiscais na aprovação de contas; e ampliar o poder da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para a realização de investigações.
Vale ressaltar que o texto não altera direitos e deveres dos controladores, acionistas de forma geral e administradores – a responsabilização por indenizar continua sendo fundamentada na violação da lei ou do estatuto social e com comprovação de dolo ou culpa; com exceção aos danos causados pela companhia a investidores em ofertas públicas, não há definição da companhia como responsável por indenizar danos aos acionistas; e não afasta a aplicabilidade e os incentivos para que a arbitragem continue sendo aplicada na resolução de disputas societárias – contudo, os procedimentos arbitrais se tornam públicos conforme regulamentação a ser editada pela autarquia.
A companhia, por sua vez, na qualidade de “ofertante”, pode ser responsabilizada por indenizar investidores pelos danos que causar no âmbito de uma oferta pública de valores mobiliários, quando, por exemplo, não divulgar informações importantes sobre passivos relevantes ou divulgar informações falsas no prospecto de uma oferta pública inicial de ações (em inglês, Initial Public Offering ou IPO), gerando uma perda de valor para os investidores que participaram da operação societária.
Outra modificação extremamente relevante para companhias, sejam fechadas ou abertas, é a previsão expressa de que não há exoneração de responsabilidade dos administradores e fiscais como decorrência automática da aprovação das demonstrações financeiras anuais. Desse modo, a Assembleia Geral poderá, por meio de deliberação específica, exonerar diretores, conselheiros de administração e conselheiros fiscais de responsabilidade com relação aos fatos ocorridos durante o exercício da sua gestão e o prazo dos seus mandatos.
Não há dúvidas de que investidores, sejam pessoa física ou jurídica, querem alocar seus recursos financeiros, mas clamam por um ambiente seguro, estável e transparente, especialmente no aspecto legal e regulatório. Contudo, em setembro, o Poder Executivo retirou a urgência do PL nº 2.925/23, assim como do PL nº 2.926/23, ambos que disciplinam de modo geral o mercado de capitais brasileiro, com o intuito de, conforme noticiado pela própria Câmara de Deputados, liberar a pauta do plenário a qual estava trancada pelas duas proposições legislativas.
Com a retomada das formalidades regimentais, até então dispensadas pelo regime de urgência, é possível também prover uma análise mais completa e uma discussão ampla do texto legal proposto, que podem agora ser debatidos pela sociedade e discutidos em comissões por um período mais longo, oferecendo aos agentes econômicos, aos juristas e aos legisladores mais tempo para análise e proposição de emendas ao PL.
Diante de um cenário promissor e ao mesmo tempo desafiador, essa proposição legislativa, alinhada à agenda regulatória da CVM, fortalece o private enforcement societário e busca alinhar o Brasil às melhores práticas de governança corporativa nacionais e internacionais, com destaque para os estudos da autarquia em colaboração com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e os normativos do International Sustainability Standards Board (ISSB).
A expectativa é que essas medidas, ainda sob debate político, jurídico e econômico, contribuam para aumentar a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros, reduzir os custos operacionais do sistema financeiro, potencializar o fluxo de investimentos no país e estabelecer um ambiente favorável à economia de impacto, visando o desenvolvimento e uma maior eficiência do mercado de capitais brasileiro.
André Vasconcelos é Diretor-Adjunto RJ do IBRI (Instituto Brasileiro de Relações com Investidores) e Especialista em Direito Societário e Mercado de Capitais
Este conteúdo foi distribuído pela plataforma SALA DA NOTÍCIA e elaborado/criado pelo Assessor(a):
U | U
U